O quinto ano de existência da Operação Lava-Jato foi marcado por uma série de reveses dos procuradores de Curitiba. O temor sempre presente no MPF era o de que uma revanche contra as investigações que as dificultassem viria do Congresso a qualquer momento. No entanto, a reação veio do Supremo Tribunal Federal, em parte motivada pelo fato de os procuradores exorbitarem sua esfera de atuação e tentarem impor suas interpretações legais ao STF. A disputa entre procuradores e Supremo não é boa para ambos e acabará prejudicando a eficácia da Lava-Jato. Ao julgar que os crimes de caixa dois, mesmo que a ele estejam conexos outros crimes, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, o STF ateve-se ao espírito da lei e do Código Eleitoral (artigo 350). As informações são do jornal Valor Econômico.
Os procuradores de Curitiba acabaram desistindo do que não poderiam fazer – criar uma fundação com dinheiro advindo de acordo que resultou em pagamento de indenização da Petrobras ao governo americano – e ainda tiveram de ouvir uma dura argumentação contrária da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Depois, o STF, em votação apertada (6 a favor e 5 contrários), manteve processos envolvendo caixa dois na Justiça Eleitoral, mas o tom das ponderações foi inusual. Procuradores disseram que eventual decisão indicando a Justiça Eleitoral como leito natural desses processos poderia pôr fim à Lava-Jato. Ganharam em troca impropérios e uma investigação determinada pelo Supremo.
Perdendo mais uma vez a compostura, o ministro Gilmar Mendes chamou os procuradores de “canalhas” e “cretinos”. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, fez uma emenda tão ruim quanto o soneto. Determinou a abertura de uma problemática investigação destinada a encontrar os responsáveis pelo que qualificou de “assassinato de reputações”, impulsionada por “interesses escusos”. O inquérito terá como relator o ministro Alexandre de Moraes e será, por motivos inexplicáveis, de caráter sigiloso. A lei manda que o inquérito siga para a PGR e o relator deveria ter sido sorteado, não indicado.
O objeto das investigações caminha no pantanoso terreno de distinguir o que é o direito de expressão e de opinião e o que é calúnia, injúria e difamação. Entre os possíveis alvos de um objeto tão amplo podem estar procuradores da Lava-Jato que têm manifestado suas opiniões com veemência, como Deltan Dallagnol e Diogo Castor. Auditores da Receita que apuram possíveis irregularidades cometidas pelas esposas de Gilmar Mendes e Dias Toffoli, e que vazaram ilegalmente a informação, também. Para completar a polêmica, há muitos deputados e apoiadores do PSL, partido do presidente, que consideraram trágica a decisão do STF sobre caixa dois e querem criar uma CPI da “Lava-Toga”.
A disputa de poder dispersa forças que deveriam estar unidas na tarefa de combater a corrupção. O STF votou de acordo com a lei ao alocar os processos na Justiça Eleitoral, mas a solução, apesar de correta, é capenga. Em boa parte das 159 condenações e 183 acordos de delação premiada ao longo de cinco anos, o caixa dois dos políticos é parte de um esquema que envolve o pagamento por serviços prestados, ou seja, corrupção, e lavagem de dinheiro. Esse crime generalizado é contemplado apenas com um artigo do Código Eleitoral e as penas previstas são suaves – máximo de 5 anos de reclusão.
Por outro lado, é fato que a Justiça Eleitoral é morosa e não está preparada para pilotar processos complexos como os que caíram nas mãos da Lava-Jato. Um meio termo pragmático é possível quando o juiz eleitoral abre mão de suas prerrogativas e envia o inquérito para a Justiça Federal, ao considerar o conjunto do processo. Resta saber se continuarão fazendo isso à luz da decisão do STF.
A preferência dos advogados dos acusados pela Justiça Eleitoral é notória. O grande problema da decisão do Supremo agora é que, como o crime de caixa dois apareceu em dezenas de casos, grande parte dos condenados devem recorrer à Justiça alegando que deveriam ter sido submetidos a outra instância judicial. Caso os recursos sejam aceitos, enquanto essa discussão se arrasta o prazo de prescrição continuaria correndo. O risco é haver perda parcial da eficácia da delação premiada, com a prevalência do entendimento de que as falcatruas serão julgadas sob a égide do crime eleitoral e de que, na pior das hipóteses, os condenados serão submetidos a penas leves.