Domingo, 09 de março de 2025
Por Redação O Sul | 22 de novembro de 2022
Não é verdade que seja impossível identificar urnas eletrônicas sem um número de série individual. Esse argumento foi citado pelo Partido Liberal (PL), legenda do presidente Jair Bolsonaro, para pedir a invalidação dos resultados de mais de 250 mil urnas usadas no 2º turno das eleições deste ano — sobretudo em cidades do interior do Brasil. O partido protocolou uma representação junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tarde desta terça-feira (22), apontando que, sem os votos registrados nessas urnas, Bolsonaro teria pouco mais de 51% dos votos válidos no segundo turno.
O Estadão Verifica (ferramenta de checagem de informações do jornal O Estado de S. Paulo) ouviu especialistas no assunto que apontaram que, de fato, urnas de modelos anteriores do de 2020 receberam um número de série único, e não uma identificação individual, como as urnas do modelo novo. Essa falha ocorreu nos logs das urnas eletrônicas — um documento disponibilizado pelo TSE no qual se registram todas as atividades desempenhadas pelo equipamento de votação.
Mas a ausência desse número de série não significa que os resultados estejam comprometidos, que não seja possível identificar a autenticidade de um log ou a qual urna o documento pertence por conta disso, como argumenta o relatório técnico contratado pelo partido. Há outras informações no log, mesmo o das urnas mais antigas, que permitem identificá-lo, conferir sua autenticidade e apontar a que urna, zona, seção eleitoral e local de votação ele pertence.
A argumentação do PL já constava num relatório preliminar divulgado pelo partido e tinha sido mencionada pelo presidente da legenda, Valdemar da Costa Neto, em entrevistas nos últimos dias. Em vez de apontar um problema no número de série, contudo, Costa Neto errou ao dizer que o que faltava às urnas mais antigas era um número de patrimônio — um código atribuído por instituições para controlar suas propriedades.
Em despacho também na tarde desta terça, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, deu um prazo de 24 horas para que o PL inclua no questionamento ambos os turnos das eleições deste ano, sob pena de indeferimento inicial do pedido. Isso porque, apesar de as mesmas urnas terem sido usadas nos dois turnos de votação, o PL questionou apenas os resultado do 2º turno, o que não comprometeria os votos obtidos pelos parlamentares eleitos pelo partido no 1º turno.
Em linhas gerais, o problema apontado pelo engenheiro Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, contratado pelo PL, está em uma das formas de identificação da urna. Os logs de todas as urnas mais antigas usadas nas eleições deste ano anteriores ao modelo de 2020 (modelos UE 2009, UE 2010, UE 2011, UE 2013 e UE 2015), receberam um número único e inválido: 67305985. O que se esperava é que, durante a operação da urna, esse número fosse lido pelo software e preenchido com um valor correto individual, mas isso não ocorreu nas urnas antigas. O bug fez com que todos os equipamentos desses modelos mantivessem o mesmo número inválido, 67305985. Isso significa que essas urnas perderam uma das formas de identificação, mas não todas.
Também não é verdade, como se vem apontando, que essa falha impeça a verificação de autenticidade dos logs das urnas. Não é o número de série que confere autenticidade à urna, e sim sua assinatura digital, que é perfeitamente detectável pelo TSE se houver alguma modificação já no momento da recepção dos dados.
Em pronunciamento, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que se surpreendeu com o resultado do relatório e que ele “não expressa a opinião do PL”, mas que o resultado deve ser analisado pelos especialistas do TSE, de forma que seja assegurada e resguardada a lisura do processo eleitoral.
Formas
Para Marcos Simplício, que é professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação, o problema com os números de série das urnas mais antigas existe, mas ele é facilmente solucionado e não chega a comprometer o resultado das eleições.
Ele aponta que há pelo menos três conjuntos de dados identificadores de uma urna: o código de identificação, os dados de zona, local, município e seção, e o código de identificação de carga da urna.
“Desses três conjuntos de dados, um deles está faltando, mas na ausência de uma coisa, eu consigo identificar pelas outras. É como se você tivesse três documentos: o RG, o CPF e um registro no INSS, mas você não tivesse esse INSS em mãos. Isso não compromete a sua identificação porque eu consigo dizer quem você é a partir do seu RG e do seu CPF”, exemplifica.