Steven Levitsky consagrou-se internacionalmente ao lado de Daniel Ziblatt, ambos professores da Universidade de Harvard, ao publicarem “Como as democracias morrem” na esteira da crise política provocada por Donald Trump. Agora, cinco anos depois e com o republicano fora da presidência, eles retomam a parceria no livro “Como salvar a democracia”, que será lançado no Brasil nas próximas semanas. Nele, fazem uma análise dos renovados riscos democráticos para os Estados Unidos — onde a obra recebeu o título “Tirania da minoria”, em tradução livre — e para o mundo.
1) O senhor afirma em seu novo livro que a crise democrática brasileira dá sinais de estar sendo superada. Por quê?
Os brasileiros responderam à sua crise democrática melhor que os americanos. Particularmente a direita brasileira teve uma resposta mais saudável à crise democrática do (ex-presidentre) Jair Bolsonaro do que a direita americana. Todas as principais figuras da direita brasileira aceitaram o resultado na noite da eleição e foram muito rápidas e duras ao denunciar a violência cometida no 8 de Janeiro, muitos inclusive apoiaram a investigação parlamentar sobre o que ocorreu — que é muito diferente do que os republicanos fizeram nos EUA. E, claro, a decisão judicial de impedir que Bolsonaro dispute a próxima eleição é controversa, mas a maioria dos políticos de direita aceitou e a considerou legítima.
2) Bolsonaro foi contido?
É muito cedo para dizer que Bolsonaro está acabado politicamente, mas ele tem sido marginalizado de uma forma que Trump não tem sido. Ele lidera a disputa pelas primárias republicanas, será o escolhido e tem boa chance de voltar à Presidência. E está nesta posição porque os líderes republicanos permitiram. Seria tolo da minha parte dizer que a crise brasileira está completamente superada, há muitos problemas para resolver. Mas a elite política brasileira respondeu à ameaça de Bolsonaro de uma forma muito mais efetiva do que a americana a Trump.
3) Por que o senhor qualifica a decisão judicial contra Bolsonaro como “controversa”?
Há um grande debate nos EUA sobre em que medida o Estado deve ter o poder de banir candidaturas a cargos importantes. Em muitos países da América Latina e da Europa, o Estado tem esse poder, e é aceito que um político abertamente autoritário ou condenado por um crime relevante seja banido. Os EUA não têm essa tradição. Somos muito liberais e tendemos a deixar o “mercado” decidir. Se alguém é criminoso, deixe ele concorrer e os eleitores decidirem. Então, quando vejo uma decisão como a tomada no Brasil, parece muito grande para mim.
Falo que é “controversa” porque a Justiça tomou a decisão de forma muito rápida, baseada numa infração menor de Bolsonaro. Parece certo que ele efetivamente cometeu crimes muito piores e que validariam uma decisão de bani-lo. Se ele tentou, como tem sido dito, convencer os militares a dar um golpe para reverter a eleição, ele deve ser banido das eleições por toda a vida. Mas essa não é a razão pela qual ele foi condenado. Acredito que teria sido melhor e mais legítimo para a Justiça excluí-lo por uma ação mais abertamente autoritária, um crime mais flagrante.
4) O senhor aborda no livro o conceito de “democracia militante”, que vem sendo usado aqui, e afirma que trata-se de uma estratégia que traz riscos. Quais?
Em teoria, a ideia de que forças antidemocráticas podem e devem ser removidas pelo Estado é bastante interessante. O problema é que, na prática, como vimos ao longo de toda história moderna da América Latina, partidos e candidatos são excluídos mais por questões políticas do que as estritamente legais. A democracia Argentina foi destruída quando se decidiu banir o peronismo. Você não pode banir o maior partido de um país e esperar ter uma democracia estável. Algo parecido aconteceu no Peru.
Para cada caso na América Latina em que a exclusão de um partido ou político ajudou a proteger a democracia, há ao menos dez em que isso subverteu ou minou a democracia. A decisão de excluir Lula em 2018 teve grandes consequências.
Não estou opinando se era a decisão correta ou não, mas ela teve enormes implicações para a democracia. Essa é uma ferramenta muito poderosa que pode realmente atingir a natureza das eleições e das democracias. Ela deve ser implementada com muita parcimônia, muita cautela e de forma politicamente neutra, o que é difícil.