Os pedidos que o governo deverá apresentar à Argentina para extraditar os 47 foragidos do 8 de janeiro representam 83% do número de solicitações que o Brasil fez à nação vizinha nos últimos dois anos e meio (56). Quando o trâmite for formalizado, o país governado por Javier Mi lei passará para a segunda colocação no ranking dos que mais recebem requisições brasileiras, atrás apenas de Portugal. A ofensiva da Polícia Federal na busca, no entanto, deve esbarrar em obstáculos no país vizinho, legais e políticos.
Os dados são do Ministério da Justiça. Na semana passada, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que a Argentina tem colaborado para a localização de investigados e condenados pela participação nos atos antidemocráticos.
“Atuamos em uma rede de cooperação internacional. É a polícia conversando com a polícia para tentar localizar essas pessoas que são do interesse do Poder Judiciário explicou Rodrigues”, diz.
Segundo as investigações, esse grupo deixou o País pela fronteira a pé ou de carro e, alegando perseguição política, buscava pedir refúgio. Além da Argentina, é possível que alguns foragidos tenham entrado por via terrestre no Uruguai e no Paraguai.
Relação delicada
O provável pedido de extradição acontece em meio a um momento delicado entre os dois países, já que a Argentina é comandada por Javier Milei, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, adversário político de Lula. Autoridades diplomáticas e do Executivo estão preocupadas com a possibilidade de uma “crise diplomática” se Milei negar a extradição.
Apesar da relação ruim, integrantes do governo confiam que a distância não terá anuência na posição. De acordo com autoridades brasileiras, o sinal de que a Argentina está disposta a cooperar com a PF foi uma declaração do porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni, que disse que o governo argentino seguirá o que a lei indica, inclusive o repasse de informações ao governo brasileiro.
Um dos obstáculos no horizonte é o tratado de extradição firmado em 1968, que prevê que não será concedida a extradição quando a infração cometida “constituir delito político ou fato conexo deste delito”. O tratado, no entanto, ressalta que a “alegação do fim ou motivo político não impedirá a extradição se o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum”.
Delito político
A lei argentina que regula a cooperação internacional, de 1997, vai no mesmo sentido, afirmando que não será realizada a extradição quando o delito que motiva o seu pedido é um “delito político”. O argumento do governo Lula para rebater o uso da “infração política” como escudo será que se tratam de pessoas que descumpriram decisões judiciais e medidas cautelares, e que as leis internacionais protegem a atividade política – o que é diferente de promover depredação e destruição. Ainda assim, a questão tende a ser controversa, segundo especialistas.
“O problema é que a decisão cabe à Argentina. Se as autoridades entenderem que os atos praticados constituem um crime político, isso, de fato, vai dificultar o pedido de extradição”, aponta a professora de direito internacional da FGV Direito Paula Almeida.
Além disso, a Lei Geral de Reconhecimento e Proteção ao Refugiado da Argentina afirma que a discussão sobre o refúgio deve ser feita anteriormente à decisão de extradição. Ou seja, se os brasileiros fugitivos tiverem solicitado refúgio, o país primeiro tem que analisar esses pedidos antes de decidir sobre a extradição. Nesse caso, os investigados teriam que demonstrar que fugiram do Brasil por perseguição política. Ainda não se sabe se alguns deles pediram refúgio, porque a tramitação é sigilosa.
O advogado Acácio Miranda da Silva, mestre em Direito Penal Internacional, afirma que, apesar de os processos serem legislados por tratados ou acordos internacionais, a geopolítica acaba sendo um fator determinante para o aceite e agilidade dessas requisições. “As regras existem e devem ser seguidas, mas não são tudo. A geopolítica acaba influenciando bastante”, frisa. As informações são do O Globo.