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Avanço da direita na Europa tem nuances para Lula e Bolsonaro

A direita no Brasil comemora o resultado da votação da União Europeia. (Foto: Reprodução)

Duas pesquisas relativamente recentes realizadas em países membros da União Europeia, uma da Ipsos em abril deste ano e outra do Eurobarômetro, realizada em dezembro de 2023, jogam um pouco de luz sobre o crescimento eleitoral da extrema-direita no continente, que energiza e se interconecta com a extrema-direita brasileira.

A empresa de pesquisa Ipsos analisou as principais preocupações do eleitorado de 29 países, Brasil incluído. Do bloco europeu são nove deles: Alemanha, Itália, França, Espanha, Polônia, Holanda, Hungria, Bélgica e Suécia. Os respondentes em uma amostra online controlada foram apresentados a uma lista de problemas e tiveram que pinçar três deles como os principais em seus países. A preocupação com a imigração, previsivelmente, é relativamente maior entre países europeus do que no restante. Dos dez países que mais se preocupam com ele, estão Alemanha (38%), Holanda (35%), Bélgica (25%) e França (23%), além do Reino Unido (32%), que saiu da União Europeia. O Brasil é o menos preocupado de toda a amostra com esse tema, citado por apenas 1% dos pesquisados.

Mas onde os países europeus mais se destacam é no medo de guerra, o que mostra como o conflito da Ucrânia está presente no cotidiano do eleitorado. Dos 10 mais preocupados com o tema, seis pertencem à União Europeia. Possivelmente o medo da expansão da guerra movida pela Rússia explica o fato de a direita tradicional ter mantido uma maioria relativa a favor da manutenção do bloco. Em países fisicamente próximos do conflito, como Polônia, Romênia e Hungria, por exemplo, a votação da extrema-direita decresceu. No Brasil isso só é um assunto para 2% dos pesquisados.

A Saúde foi apontada como a principal preocupação dos brasileiros nessa pesquisa (42%) e também o é para a Europa. Cinco dos dez países que mais citaram a saúde como problema são do bloco. Por motivos diferentes, o eleitorado europeu e o brasileiro se sentem vulneráveis em relação ao tema. A demografia europeia tem população proporcionalmente maior de idosos. Cerca de 21% da população do bloco tem mais de 65 anos, percentual que no Brasil é de 11%. No caso do Brasil a queixa é falta de estrutura de atendimento. Mantidas as nossas carências o envelhecimento da população brasileiro já apontado nos últimos censos deve agravar ainda mais a percepção da Saúde como um drama.

O levantamento do Eurobarômetro de dezembro de 2023 desce a uma camada mais fina do sentimento europeu. A instituição fez uma pesquisa com todos os 27 países do bloco sobre intolerância, preconceito e racismo, com resultados inquietadores, para dizer o mínimo.

Na Alemanha-um dos países mais tolerantes da Europa- 10% dos pesquisados foram contra ensinar o holocausto aos judeus no sistema escolar. Outros 9% se disseram desconfortáveis com a perspectiva de verem filhos se relacionarem com judeus. O desconforto sobe para 24% em relação a muçulmanos. 16% dos alemães são contra direitos iguais para a população gay, lésbica, transgênero ou não-binária. 9% desconfiam das autoridades eleitorais. 11% reclamam da democracia. 19% são contra orientação sexual nas escolas. Se uma pesquisa semelhante fosse feita no Brasil, em dezembro do ano passado, qual seria o resultado em relação às últimas quatro questões? O partido AfD , de extrema-direita, conseguiu 15,9% dos votos no último domingo.

Na Holanda, onde 26% do eleitorado assume ter discriminado alguém nos doze meses anteriores da pesquisa, o PVV, de extrema-direita, passou de 4% para 19% dos votos entre 2019 e 2024. Na Áustria, onde 32% disse que se sentiria muito desconfortável caso tivesse um colega de trabalho negro, o FPO, de extrema-direita, ficou em primeiro com 26% dos sufrágios. Para que não haja ruído: em um país como a Áustria racismo indica discriminação contra imigrantes, o que evidentemente não é o caso do racismo em países de maioria negra como o Brasil ou de maiorias negras em algumas regiões, como os Estados Unidos. A discriminação contra imigrantes existe no Brasil também, mas no nosso caso falta bússola para medi-la.

A intolerância ajuda a entender a resiliência de minorias radicais, mas é insuficiente para explicar uma guinada da maior parte do eleitorado. No caso da França, outros resultados eleitorais indicam insatisfação generalizada com o governo Macron. Segundo pesquisas do Ifop, desde que assumiu seu primeiro mandato a aprovação de Macron nunca passou de 43% desde março de 2020, o mês do início de pandemia de covid-19. Estava em 31% em maio desse ano, cinco pontos percentuais a mais do que em maio de 2023. Chegou a 19% no inverno de 2018 para 2019, seu pior momento. A extrema-direita cresceu bastante, com a Reunião Nacional indo de 23% para 31%, mas o Partido Socialista ressuscitou, pulando de 6% para 14%, e a extrema-esquerda evoluiu de 6% para 9%. Todas as oposições a Macron cresceram.

A direita no Brasil comemora o resultado da votação da União Europeia, mas as aves que ali gorjeiam, não gorjeiam exatamente como cá. É importante notar que as lideranças europeias com mais conexão com os radicais de Brasil e Argentina tiveram desempenho mais discreto. Foi o caso do Vox na Espanha, do Chega! em Portugal , ou mesmo de Viktor Órban, o governante da Hungria festejado no governo Bolsonaro. Na Itália, o contato dos brasileiros é mais intenso com Matteo Salvini, da Liga Norte, que recentemente recebeu o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. O partido de Salvini teve um péssimo resultado. Está sendo engolido pelo da premier Giorgia Meloni, que desde que assumiu em 2022 segue o protocolo e evita batalhas culturais no Brasil. O resultado realmente ansiado pelo bolsonarismo é o de novembro, nos Estados Unidos, entre Biden e Trump.

No caso dos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aliás estará na Europa dia 13, a eleição europeia traça um cenário sombrio. A vitória de Lula em 2022, até o momento, foi a última vez em que a direita cedeu o poder para a esquerda no cenário mundial. De lá para cá, ou o pêndulo ficou no mesmo lugar, ou bateu à direita. As informações são do jornal Valor Econômico.

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