Para o Banco Central, recursos destinados às bets podem interromper a queda dos níveis de endividamento – que vêm recuando, ainda que lentamente, nos últimos meses. Já na visão da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), há uma “bomba-relógio” contratada sobre as finanças de milhões de famílias – o que, em última instância, levaria os bancos a ficar mais seletivos na concessão do crédito, com encarecimento de diversas linhas.
Em palestra realizada no Rio em meados de agosto, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula para assumir a presidência do Banco Central, afirmou que “o aumento da renda, sem acompanhamento da poupança e consumo, pode estar vazando para as bets”. Ele apontou que relatos de preocupações de bancos e redes de varejo já haviam chegado ao BC.
Segundo integrantes do BC, o entendimento é de que a regulação desse segmento cabe ao Executivo, e não à autarquia; mas a avaliação é de que a situação é grave e demandaria medidas “enérgicas” de políticas públicas, como campanhas estruturadas de conscientização. Para o BC, a principal preocupação é de que isso possa aumentar a inadimplência.
Em postagem nas redes sociais no dia 20 de agosto, o BC abordou o tema de forma crítica. Em um vídeo, é feita a seguinte pergunta: “Você prefere guardar um pouco do salário para viajar com a galera no carnaval ou gastar tudo no ‘jogo do Tigrinho’?”. Um interlocutor responde que o melhor é focar no carnaval. Na sequência, a representante do BC fala: “Ótima escolha, até porque, no ‘jogo do Tigrinho’, você nunca ganha”.
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que a legalização das bets ocorreu em 2018, mas sem a sua devida regulação. Isso, na visão da pasta, permitiu um crescimento descontrolado das apostas, com agentes operando fora do território nacional, e grupos praticando fraudes e delitos como lavagem de dinheiro.
“Desde janeiro de 2024 o Ministério da Fazenda tem intensificado o processo de regulação. Para isso, criou uma Secretaria própria, que já editou 10 Portarias temáticas, tratando, dentre outros, da regulação de meios de pagamento (com proibição de uso de cartão de crédito e restrição ao uso de instituições financeiras e de pagamentos autorizadas pelo BC, por exemplo)”, disse a pasta.
O entendimento da Secretaria de Apostas Esportivas (SAP) é de que isso irá afastar grupos criminosos, de um lado, e trazer regras para proteção dos apostadores.
“Os consumidores deverão ser informados (tanto por campanhas educativas, quanto na própria relação com as casas de apostas) que apostar deve ser entendido como mero meio de entretenimento, não como complemento de renda ou investimento, e que tais gastos não podem colocar sua saúde mental e financeira em risco”, disse a Fazenda por meio de nota.
Empresas como Bet7K, Bet Nacional e Betano, não se manifestaram. O Instituto Jogo Legal, que representa o segmento, disse que a demora na regulamentação permitiu que o segmento chegasse ao estágio atual. O BC não se manifestou.
Bomba-relógio
Nas últimas semanas, os bancos Santander e Itaú divulgaram estudos sobre o tamanho dos gastos das famílias com as bets, e redes de varejo e supermercados apontaram que houve redução de consumo em função desses gastos.
O diretor executivo de Cidadania Financeira da Febraban, Amaury Oliva, entende que há uma bomba-relógio armada no orçamento das famílias. “Estamos acompanhando com muita preocupação. É uma bomba-relógio, com impacto sobre o orçamento das famílias, com aumento do endividamento, e piora da saúde financeira e mental das pessoas”, disse.
Nicolas Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), disse que o assunto foi tratado em reunião mensal do órgão. “Há preocupação realmente sobre a extensão do comprometimento da renda com o que chamamos de diversão ou lazer. Falamos também da importância de se ter campanhas de conscientização”, afirmou.
“O momento nos lembra o fenômeno dos bingos e caça níqueis de anos atrás, só que agora há uma capilaridade muito grande, porque é online”, diz Oliva. “Atinge até crianças e adolescentes, que é outro ponto que preocupa. O Instituto Locomotiva tem estudo mostrando que 25 milhões de brasileiros apostaram nos últimos seis meses, e 86% dos apostadores já estão endividados”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.