Quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 19 de julho de 2024
A queda de roubos e a alta de estelionatos, reveladas pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, consolidam uma tendência de migração de crimes de rua, como assaltos a mão armada, para golpes, sobretudo virtuais. Impulsionados pela facilidade de transferências bancárias via Pix, aplicativos e jogos online, estes crimes oferecem menos risco aos bandidos e são desafio extra para a polícia.
Nesse cenário, especialistas apontam que não adianta reforçar o policiamento ostensivo, mas, sim, integrar mais esforços na investigação e no aperfeiçoamento da tecnologia. Além de focar em medidas educativas para evitar que mais pessoas se tornem vítimas de golpes.
“Há uma mudança muito sensível de crimes de rua, de oportunidade, como furtos e roubos principalmente, que tem a ver com a queda de roubos em quase todas as modalidades”, afirma o pesquisador Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Dados do anuário apontam que a taxa de roubos, que têm os celulares como principais alvos, caiu 10,9%, embora esse tipo de crime se mantenha em patamar elevado no País: foram 870.320 ocorrências registradas em 2023, o equivalente a 99 notificações por hora.
Em contrapartida, 1.965.353 casos de estelionato foram registrados no ano passado, o que representa uma taxa de 967,8 ocorrências para cada 100 mil habitantes. Trata-se de uma alta de 8,2% ante o ano anterior, em modalidade que vem crescendo continuamente ao longo dos últimos anos. Hoje, os golpes são considerados os “crimes da moda”.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública diz que que trabalha para aumentar a capacidade de investigação e Banco Central dá dicas.
Segundo Lima, essa é uma tendência observada não só no Brasil, mas no restante do mundo. “Com o mundo virtual, diminuiu a quantidade de dinheiro em circulação, em papel moeda. Portanto, diminuíram a quantidade de caixas eletrônicos. Hoje você quase não tira dinheiro”, exemplifica o sociólogo. A pandemia de covid acelerou esse processo.
“O que antes era um ‘negócio’ (para o crime) – estourar um caixa eletrônico – hoje se mostra uma coisa que vai te render menos dinheiro e é mais arriscado, porque um roubo tem uma pena mais agravada do, que por exemplo, um golpe, além de ter mais risco de entrar em confronto com a Polícia Militar”, acrescenta.
Em geral, a pena de reclusão para crimes de roubo vai de quatro a dez anos de prisão, enquanto, em casos de estelionato, se estende de um a quatro anos. Mas esse não é o único motivo que atrai criminosos para essa migração: a facilidade de enganar vítimas e a possibilidade de multiplicar os lucros em pouco tempo também entram nessa conta.
“No mundo, não só no Brasil, as pessoas têm um baixo letramento digital e não aplicam medidas de segurança tal como aplicam nas suas casas, como câmeras ou cachorros”, afirma Lima. A exposição a golpes, em meio a isso, acaba sendo ainda maior, o que aumenta a possibilidade de lucro dos bandidos.
Recentemente, repercutiu o caso de uma idosa aposentada de 74 anos de Caraguatatuba, litoral de São Paulo, que entrou na Justiça com uma ação de reparação de danos materiais e morais contra 12 pessoas que teriam, segundo ela, praticado um golpe de estelionato ao se passar pelo ator e ex-governador da Califórnia, nos Estados Unidos, Arnold Schwarzenegger.
A defensora da vítima contou que a idosa era fã de Schwarzenegger e teria assistido a todos os filmes do ator. As conversas, segundo ela, se iniciaram em 2020 e as transferências bancárias se arrastaram por dois anos, até 2022, o que teria acarretado em um prejuízo de cerca de R$238 mil, segundo a Justiça.
Polícias precisam se “reinventar” a partir de novas dinâmicas
Em meio à alta de golpes, Lima cobra mais priorização de medidas para proteger a população e desmantelar os esquemas – em parte dos casos, os pontos de receptação de celulares roubados, que muitas vezes permitem a aplicação dos golpes, são até conhecidos das polícias.
As autorizações até são concedidas quando há apurações mais robustas por parte da polícia, mas a avaliação de especialistas é que as investigações devem ser amplificadas, de forma a desencorajar a atuação de quadrilhas focadas na aplicação de golpes.
Em algumas modalidades de estelionato, há inclusive centrais telefônicas que usam música de call center para tentar ludibriar as vítimas, em esquemas bastante elaborados. Um fator limitador para a polícia enfrentar esses crimes é que as vítimas muitas vezes estão em outros Estados.
“O próximo passo da segurança pública tem a ver com a melhoria da investigação criminal para esclarecimento de crimes. Portanto, o investimento nas polícias civis, que, de certa forma, precisariam se reinventar a partir dessa nova dinâmica”, afirma Lima.