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Bárbaros paradoxos

(Foto: Reprodução)

Somos todos nós uma improbabilidade estatística, contudo, aqui estamos. Para Carl Sagan, somos também poeira de estrelas, oriundos dos mesmos elementos químicos forjados nos astros por fusão nuclear. A propósito, o prêmio Nobel de Física de 2023, foi para três pesquisadores, dentre eles a francesa Anne L’Huillier, que divide a honraria com o húngaro Ferenc Krausz e o americano, Pierre Agostini. O foco de suas pesquisas deixa a humanidade cada vez mais próxima do que ocorre no universo do infinitesimal e do vertiginosamente rápido. A pesquisa adentrou aos átomos para medir a velocidade de pulsação dos elétrons, na casa dos trilhões de vibrações por segundo. Um “attosegundo” é tão curto que há tantos dele em um segundo quantos segundos existiram desde o início do universo. Imaginar esse mundo dos “attosegundos” é de tal modo impactante quanto, em lado oposto na dimensão de grandezas, saber que o cosmo possui mais de 1 trilhão de galáxias no universo observável. Os ganhadores do Prêmio Nobel de química deste ano também desenvolveram pesquisas que envolvem esse mundo (quase) invisível das subpartículas. A descoberta do uso de pontos quânticos, tão pequenos que seu tamanho determina a sua propriedade, implica um amplo espectro de uso da nanotecnologia, incluindo a remoção de tecido tumoral, no campo da medicina.

Entretanto, indiferente aos fascinantes avanços científicos, paradoxalmente convivemos com as trevas do obscurantismo, do negacionismo científico, do fanatismo religioso e da naturalização da guerra. De certo modo, as pesquisas científicas que tantas esperanças trazem à sociedade, confrontam-se com uma resistência ainda apegada a tribalismos, pensamentos mágicos, demagogia, autoritarismo de variados matizes e um fatalismo corrosivo contra as indispensáveis instituições de estado, da democracia e dos instrumentos de cooperação global. Nesse caldeirão de contradições, a moral, em muitos casos, permanece presa a critérios estéticos, dificultando uma perspectiva mais aberta e inclusiva para o tratamento do oceano de injustiças, violência e dor que infestam o planeta. É difícil o discernimento entre o certo e o errado quando os próprios arautos emitem sinais contraditórios e optam pelo “olho por olho”, quando há o risco evidente de todos ficarmos cegos, com a exacerbação de nossos instintos mais primitivos.

Assim, entre tantas guerras esquecidas pelo mundo, eis que o Oriente Médio traz ao vivo e em dramáticas cores, um episódio, agora ainda mais violento e bárbaro. Evidencia-se, nesse quadro, que quando não existe mais diálogo, quando a destruição mútua é o objetivo final, palavras sugerem não fazer mais sentido, apelos pela paz soam até ingênuos e paira no ar uma sensação de impotência. Nesse complexo mosaico que envolve religião, território, culturas e costumes, conciliar tudo isso em torno de uma mesa de negociação parece não ser possível naquelas circunstâncias que hoje regem as relações entre palestinos e judeus. Pelo que se pode depreender, a violência absurda dos ataques terroristas do Hamas, a morte de crianças, jovens, idosos, o sequestro de civis e a inevitável retaliação de quem foi agredido leva o conflito a um moto perpétuo, sem perspectivas de um fim, de uma solução pacífica enquanto não houver a purgação do dano havido. Isso, naturalmente, implica em mais sangue de inocentes, com as atuais lideranças incapazes de projetar um sistema de convivência, mesmo que precário para aquela região. Enquanto a ciência vai ao núcleo do átomo, no mundo das relações políticas há atraso e sectarismo. Essa disputa milenar de uma causa irresolvida, além de denotar o fracasso da ONU e de outros órgãos internacionais para o enfrentamento do tema, também nos remete a algo ainda mais aterrador: o homem, desprovido das grades institucionais, conforme falava Hobbes, torna-se lobo do homem, mas não somente como em seu estado natural, mas um lobo que incorpora traços de sadismo e satanismo em suas ações, aviltando a própria dignidade humana e isso nos deixa, inevitavelmente, sempre a um passo da barbárie.

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