Segunda-feira, 24 de março de 2025
Por Ali Klemt | 23 de março de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Nunca antes na história desse país houve tamanha injustiça: uma mulher, sem antecedentes criminais, é condenada a 14 anos de prisão. O crime? Escrever, com batom, a frase “perdeu mané”. Ah, sim, esqueci de mencionar: a frase foi escrita em uma estátua – logo, um bem público. Crime grave esse. Gravíssimo.
No momento em que escrevo esse texto, apenas um voto foi proferido no Supremo. Sim, “Supremo” define perfeitamente. O Tribunal acima do bem e do mal. Aquele que não presta contas a ninguém. Aquele que decide o que bem entender porque, afinal, não há a quem recorrer. Sim, é exatamente isso.
O caso mais emblemático do autoritarismo do Judiciário no Brasil tem nome, sobrenome e dois filhos em casa. Débora Rodrigues, manicure, branca, conservadora, mãe de dois. Julgada como terrorista pelos atos ocorridos no 08 de janeiro de 2023, o voto do todo poderoso entende que o batom na estátua foi grave o suficiente para condená-la a 14 anos de prisão. Não, você não leu errado: ele a condenou a QUATORZE ANOS DE PRISÃO.
Vejamos. O argumento é de que houve “golpe de estado”, “abolição violenta do estado de direito” e “organização criminosa armada”. Segundo o advogado André Marsiglia, sequer há indícios de que ela tenha entrado nos prédios públicos ou depredado patrimônio público. Simplesmente, não há provas! E esse é o argumento, porque não há outro, além de ter se mostrado “orgulhosa e feliz” pelos seus atos.
Pessoal, vamos falar sério: essa mulher poderia ser eu ou você, um cidadão indignado, levado pela turba, que fez uma m… e pintou uma estátua com batom. Está certo isso? Não! Merece 14 anos de prisão? Pelamordedeus, vocês estão loucos?
Post de Kennia Wiswesser faz um comparativo interessante:
Homicídio qualificado: pena de 12 a 30 anos
Estupro de vulnerável: 8 a 15 anos
Genocídio: 15 a 30 anos
Tráfico de drogas: 5 a 15 anos
Organização criminosa: 3 a 8 anos
Corrupção ativa: 2 a 12 anos
Sério isso, Brasil? A mulher escreve uma frase dita por um ministro da Suprema Corte (STF, de novo…) ao se manifestar contra o bolsonarismo (pode Ministro do STF ter partido? Alguém me ajuda?), em uma clara manifestação de discordância quanto ao resultado das eleições, e, por isso, se torna CRIMINOSA. Gente, isso não está certo. Simplesmente, não está.
Mas calma. Você não está louco. Está apenas vivendo no universo paralelo da interpretação legal brasileira. Os crimes impostos estão previstos em uma legislação legitimamente aprovada pelo Congresso Nacional, a Lei dos Atos Antidemocráticos, de 1o de setembro de 2021, segundo a qual São considerados atos antidemocráticos as manifestações (orais, publicadas em redes sociais, proclamadas em protestos e outras) que se opõem ao regime democrático de direito, às suas instituições e a todo e qualquer princípio assegurado pela Constituição”.
Quando você lê essa ementa, o que você imagina? Certamente, não uma mulher, munida com um batom (vou repetir: UM BATOM), imersa em uma multidão de pessoas apaixonadas e com vontade de se manifestar – coisa, aliás, que não é crime. Pelo contrário, nossa Constituição protege a liberdade de expressão, como sendo um dos nossos – meu e seu – direitos fundamentais! Se houve quem tramou contra o governo, não sei. E, pelo visto, nem o STF sabe, porque isso não constou no voto que condenou a “terrorista do batom” a 14 anos de prisão.
Muitos dizem, sem ter outros argumentos, que só a defendo porque é uma mulher branca. Que esqueço de tantas outras que precisam de ajuda. Tantas outras, negras, índias, brancas, verdes. Por que não estou dando atenção a isso?
Infelizmente, não temos como salvar o mundo. Não temos como salvar a todos. Precisamos, porém, salvar a justiça – e a justiça, no Brasil, está morrendo. Ou o povo se une para mostrar que somos justos… ou ninguém mais estará seguro.
Ali Klemt
@ali.klemt
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.