Domingo, 27 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 24 de outubro de 2022
Já é senso comum acreditar que o consumo de uma taça de vinho por dia pode ser benéfico para o coração. Essa informação – que une o útil ao agradável – tem como base estudos que apontaram possíveis vantagens da bebida para a saúde cardíaca e não são raras os trabalhos científicos que tentam avaliar se há algum efeito positivo do álcool para o nosso organismo. Mas será que dá para confiar nessas pesquisas?
Entre especialistas, há consenso de que provar definitivamente efeitos positivos da bebida para nosso organismo, sobretudo diante dos graves riscos da substância, ainda é algo distante. No início deste ano, a Federação Mundial de Cardiologia, por exemplo, divulgou documento em que alerta não haver nível seguro de álcool para o coração.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo nocivo de álcool é apontado como fator causal de mais de 200 doenças e lesões. Além disso, a substância está por trás de mais de 3 milhões de mortes por ano ao redor do mundo, além de efeitos sociais e ligados à violência,
Especialistas ajudam a entender a discussão sobre possíveis benefícios e riscos das bebidas alcoólicas. Parte dos estudos, destacam, é preliminar, com número restrito de participantes ou até mesmo incluíram testes só com animais. Há ainda um problema comum que envolve a metodologia científica: é possível que outros hábitos do grupo pesquisado, e não o consumo de álcool, sejam responsáveis por um efeito protetivo ou positivo para a saúde.
Efeito protetor do vinho
Muitos são os estudos que mencionam esse efeito nas últimas décadas. Em pesquisa publicada na revista científica Molecules em 2019, por exemplo, os autores sugerem que o vinho tinto poderia estar relacionado a um risco menor de desenvolver doença arterial coronária (DAC).
As evidências, descritas em estudos experimentais e meta-análises (técnica estatística que combina os resultados de estudos diferentes sobre um mesmo objeto de pesquisa), atribuem a ação protetora à presença de polifenóis como o resveratrol, molécula que tem ação antioxidante. Entre os benefícios estariam a redução da resistência à insulina e a diminuição do LDL, o “colesterol ruim”.
Antioxidantes, como o resveratrol, têm papel importante na ação contra os radicais livres produzidos pelo corpo que, em excesso, podem causar lesões celulares e favorecer o desenvolvimento de doenças como o Alzheimer e a aterosclerose. Apesar disso, relacionar o consumo de vinho a uma proteção significativa e garantida contra esses problemas pode ser um exagero.
“Há outras moléculas antioxidantes; por exemplo, sabemos que a vitamina C tem esse efeito, mas não dá para dizer que tudo se resolve com acerola”, exemplifica William Peres, conselheiro federal de Farmácia pelo Rio Grande do Sul e professor do Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Afirmações sobre os benefícios do vinho também contam com efeitos confundidores, já que hábitos e alimentação saudáveis podem ser responsáveis pela proteção cardiovascular atribuída ao consumo da bebida. Em países como França e Itália, de onde vem boa parte dos estudos que fazem essa associação, a dieta mediterrânea é conhecida por ser rica em alimentos frescos e antioxidantes, como azeite de oliva, oleaginosas, uvas e peixes.
“Como cardiologista, a gente nunca pode sugerir beber para ter um efeito benéfico”, destaca Fábio Fernandes, membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e diretor do grupo de miocardiopatias do Instituto do Coração (Incor HCFMUSP).
Artigo publicado no JAMA Network Open no início de 2022 apontou que não há nível de consumo de álcool totalmente seguro para o coração. O risco é pequeno quando as pessoas consomem, em média sete doses por semana, em comparação com nenhuma.
Mas, claro, a quantidade importa muito e, “na medida em que vai além das faixas mais moderadas, o risco aumenta bastante”, conforme Krishna G. Aragam, cardiologista do Massachusetts General Hospital (EUA) e um dos autores do estudo. O trabalho envolveu análises dos genes e dados médicos de quase 400 mil pessoas do UK Biobank, um repositório britânico, com idade média de 57 anos e consumo médio de 9,2 doses por semana.
Alguns cientistas relataram que o consumo com moderação protege o coração porque bebedores moderados, tomados em conjunto, têm menos doenças cardíacas do que quem bebe muito ou não bebe. Mas não é que o vinho ou a cerveja do fim de semana protege o coração.
Bebedores leves a moderados — até 14 doses por semana — tendem a ter outras características que diminuem seu risco, como fumar menos, se exercitar mais e pesar menos do que aqueles que bebem mais e os que não bebem. Segundo Aragam, porém, não se sabe por que bebedores moderados tendem a ser mais saudáveis do que as pessoas que não bebem.