Ainda criança, Maria Bethânia e o irmão Caetano Veloso passavam horas em silêncio, sobre os galhos das árvores do quintal de casa — ela num pé de fruta-pão; ele, numa mangueira —, em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. Afeita às alturas, a menina anunciou à família, na mesma época, que, quando crescesse, seria artista ou trapezista. “Penso nisso até hoje. Se não cantar, vou para o trapézio. Com 77 anos, mas vou. O palco tem muito a ver com um trapézio sem rede, porque é um desafio. Mas é um desafio luxuoso e comovente”, diz.
O tempo, para Bethânia, corre diferente. “Não entendo direito ter a idade que tenho. Às vezes, penso como uma menina de 15 anos”, afirma, logo após reconhecer-se como uma mulher moderna. “Não fiquei parada, não.” As farras da vida boêmia, que duravam até o sol raiar, podem até ter ficado para trás, mas a cantora segue atenta a tudo o que se passa no país e no mundo. Cerca-se de novidades com amigos poetas, compositores e artistas e, desde o fim da pandemia, participa de festivais de música pelo Brasil, experiência que aprecia bastante.
Bethânia tem admiração de pelos novos nomes da cena musical, sobre os quais fala com entusiasmo. “A música tem se revelado com força, com novas inspirações e maneiras de apresentação. E isso eu gosto de ver”, elogia. Dessa nova geração, ela já cantou com Tim Bernardes, Liniker e Gloria Groove. Recentemente, gravou a faixa “Em nome de Deus”, com Chico Chico e Maíra Freitas.
“Vejo esses festivais gigantescos, com artistas de fora e brasileiros, e não devemos absolutamente nada aos famosérrimos do exterior. Acho a Gloria (Groove) espetacular. Ela canta divinamente, tem noção de dramaturgia, de teatro. A Liniker tem uma voz linda e canta com naturalidade”, diz Bethânia.
Os pés calcados no presente, contudo, sustentam também velhos costumes. Uma cervejinha depois do almoço, quando pode, e a disponibilidade para se apaixonar são alguns deles. Bem-humorada, a cantora desconversa quando questionada sobre namorados famosos, mas fala, de modo contundente, o quanto o estado de paixão lhe é vital. “Eu amo demais. Gosto de estar apaixonada por uma coisa, por uma pessoa, por uma música”, afirma. “Pouco me importa se é homem, mulher, cachorro, periquito ou papagaio.”
A irmã mais nova de Caetano lamenta que a ignorância siga presente no Brasil. “Estamos vivendo períodos de mudanças. Temos guerra na atualidade, tantas dificuldades. Não acho que o mundo melhora tão cedo. E é bom saber que temos um Brasil muito puro, ainda um broto, que pode vir a seguir, bonito, do jeito que sempre foi. Mas o planeta tem escurecido, e o Brasil acaba entrando nisso. É o inferno com os indígenas, essa obsessão por dinheiro, por poder e por mídia. Acho tudo isso dramático, trágico. Então, prefiro pensar no Brasil encantado”.