Um bilionário da tecnologia de publicidade renunciou ao seu título de membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e repreendeu a instituição sobre questões sociais e direitos LGBTQ+ em uma carta. Jeff T Green se comprometeu a doar 90% de sua fortuna estimada em US$ 5 bilhões (R$ 28 bilhões), começando com uma doação de US$ 600 mil, o equivalente a R$ 3,4 milhões, ao grupo de direitos LGBTQ Equality Utah.
Green disse em uma carta de demissão de 900 palavras ao presidente da igreja, Russel Nelson, que ele não tinha sido ativo na fé mórmon por mais de uma década, mas queria oficializar sua saída e remover seu nome dos registros de membros.
“Embora a maioria dos membros sejam boas pessoas tentando fazer o que é certo, acredito que a igreja está ativamente e atualmente causando danos ao mundo”, escreveu ele. “Eu acredito que a Igreja Mórmon tem impedido o progresso global nos direitos das mulheres, direitos civis e igualdade racial, e direitos LGBTQ+”, acrescentou.
Junto dele, mais onze familiares e um amigo renunciaram suas participações religiosas.
Nos últimos anos, a instituição religiosa mostrou uma disposição de se envolver nos direitos LGBTQ+, o que é incomum para uma fé conservadora. Ele mantém sua oposição doutrinária ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à intimidade, mas não se opôs à proibição de 2019 da chamada terapia de conversão (conhecida no Brasil como ‘cura gay’) no estado de Utah e, em novembro, seu líder, Dallin H Oaks, pediu o reconhecimento dos direitos religiosos e LGBTQ+.
No entanto, a igreja assumiu posições ao longo dos anos que foram dolorosas para a comunidade LGBTQ+. Green, por sua vez, disse que a maioria dos membros “são boas pessoas tentando fazer o que é certo”, mas ele também se preocupa com a transparência da fé em torno de sua história e finanças.
Na carta, Green acusa a igreja de tirar vantagens de membros mais pobres.
“Eu acho que a igreja explorou seus membros e sua necessidade de esperança para construir templos, construir shoppings e fazendas de gado, financiar fundos de investimento e possuir títulos lastreados em hipotecas, ao invés de aliviar o sofrimento humano dentro ou fora do igreja”, disse, exigindo que a igreja usasse o dinheiro guardado para ajudar o mundo e seus membros. “Esse dinheiro vem de pessoas, geralmente pobres, que acreditam de todo o coração que representa a vontade de Jesus. Eles dão, esperando as bênçãos do céu”, acrescentou o bilionário.
Ele também expressou preocupação com a carteira de investimentos de US$ 100 bilhões (R$ 565 bilhões) mantida pela igreja. O assunto foi objeto de uma denúncia na Receita Federal do país, em 2019, por um ex-funcionário que disse que a igreja a havia construído de forma inadequada usando doações de membros que deveriam ir para causas beneficentes.
Os líderes têm defendido como a igreja usa e investe as doações dos membros, dizendo que a maioria é usada para necessidades operacionais e humanitárias, mas uma parte é protegida para construir uma reserva para o futuro. A congregação gasta anualmente cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,65 bilhões) em ajuda humanitária e de bem-estar, disseram os líderes.
A igreja também foi criticada por suas posições sociais conservadoras. As mulheres não detêm o sacerdócio na fé, e os homens negros não podiam se tornar padres até a década de 1970.
Renúncia
Kathleen Flake, professora de estudos mórmons da Universidade da Virgínia em Charlottesville, disse que esse tipo de saída formal da igreja se assemelha a uma renúncia à cidadania. Para voltar para a igreja, a pessoa que decidiu se afastar teria que ser batizada novamente.
“Renunciar é um ato político; é uma forma de fazer uma declaração política, não apenas uma declaração religiosa”, disse a estudiosa. Segundo ela, que era improvável que a igreja, que tem mais de 16 milhões de membros, respondesse.
“Acho que eles se importam, mas não acho que fiquem surpresos com tais declarações públicas”, disse Flake. “Eles simplesmente têm muita experiência com isso para pensar que vão escapar desse tipo de engajamento público com seus padrões morais”, completou.