Quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 28 de maio de 2022
A solução para o tratamento de queimaduras graves e feridas crônicas pode estar nas mãos da ciência brasileira. Um biocurativo com células-tronco feito por impressão 3D tem demonstrado bons resultados em estudos preliminares. Desenvolvido pela In Situ, uma startup de terapia celular com foco em medicina regenerativa, o produto inédito será submetido a um ensaio clínico para testar a segurança e eficácia no segundo semestre deste ano.
O estudo de fase 1 e 2 será realizado em instituições ligadas à Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto: no Hemocentro em pacientes com anemia falciforme e no Hospital das Clínicas em pessoas em tratamento de queimaduras.
Já patenteado no Brasil e em fase final de patente internacional, o biocurativo é feito da mistura de células-tronco provenientes do cordão umbilical com hidrogel (produto semelhante a um gel de cabelo). Esse material oferece a textura perfeita para ser moldado pela impressora 3D e, ao mesmo tempo, absorvido pela pele humana.
Estudos preliminares realizados em laboratório pela equipe da bióloga Carolina Caliari, CEO e fundadora da In Situ, mostram que o biocurativo começa a funcionar imediatamente, com os primeiros resultados visíveis cerca de uma semana após a aplicação e a cicatrização completa da ferida em até três meses.
“Ao entrar em contato com a pele, o biocurativo é absorvido e libera células-tronco que estimulam o processo de recuperação da área lesionada. Se a região está em um processo inflamatório, as células-tronco do nosso produto identificam essa necessidade estimulam a formação de moléculas anti-inflamatórias. Da mesma forma que, ao se observar a necessidade de iniciar o processo regenerativo, as células-tronco ajudam na regeneração do tecido da pele. No caso dos nossos biocurativos, as células-tronco ajudam sinalizando o caminho para as células do próprio tecido se regenerarem”, explica Caliari.
Atualmente, mais de 5 milhões de pessoas no Brasil sofrem com feridas crônicas — como as provocadas pelo diabetes ou por úlceras de pressão (escaras), segundo o Ministério da Saúde. As feridas crônicas são consideradas um grande problema de saúde pública: gasta-se um alto valor para o tratamento, que muitas vezes não apresenta o sucesso desejado.
Além disso, elas também causam um problema social, pois as pessoas que possuem feridas tendem a ficar excluídas da sociedade, já que as lesões podem produzir um forte odor e ainda provocar problemas com a auto imagem do paciente, fora o risco de infecções e outras complicações que podem resultar na necessidade de amputação.
Já as queimaduras são um dos cinco tipos de acidentes mais comuns do Brasil: cerca de 1 milhão por ano. Ademais, elas trazem um alto índice de mortalidade: 78,9% quando as lesões atingem de 60% a 80%; e 100% de letalidade quando a área atingida é superior a 80%.
A expectativa é que o curativo chegue ao mercado nos próximos anos com um valor de aproximadamente R$ 8.500. O modelo é quadrado medindo 10 cm de lado. Em caso de feridas maiores, será necessário usar mais de um. Caliari afirma que o custo de produção é relativamente alto, devido aos investimentos no desenvolvimento do produto inovador. No entanto, segundo ela, o biocurativo geraria uma economia de tempo e dinheiro para o paciente.
Apesar do custo elevado, ele é muito mais barato que outros com o mesmo fim. Há três produtos americanos que apresentam uma proposta semelhante ao biocurativo desenvolvido no Brasil. O Apligraf e o Dermagraft têm o custo de US$ 2 mil por aplicação.
No entanto, o produto é feito a partir de células de pele de doadores, o que pode gerar rejeição no receptor, com a necessidade de reaplicação, elevando os custos. Já o Epicel, é feito a partir das células da pele da própria pessoa que vai receber o biocurativo. Mas, por ser feito sob medida, ele custa de US$ 6 mil a US$ 8 mil para cada 1% de superfície corporal tratada, precisando de apenas uma aplicação.
“Nosso biocurativo é durável como o Epicel e não tem chance de rejeição, pois é feito a partir de células-tronco, portanto vale para qualquer paciente que precisar. Será necessária apenas uma aplicação”, garante Caliari.
A In Situ pretende ver seu biocurativo sendo usado no Sistema Único de Saúde (SUS). O produto foi desenvolvido ao longo da carreira acadêmica de Caliari e recebeu financiamento da Fapesp (Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). A empresa está baseada no Supera (Parque de Inovação e Tecnologia de Ribeirão Preto).
A documentação necessária para que a Anvisa libere o teste clínico está em fase final de formulação e a equipe está em contato constante com a agência para dar celeridade ao processo de aprovação. A startup já recebeu alguns prêmios, como o “Mulheres Inovadoras” em 2020 e o trabalho da empresa foi apresentado na Rio2C 2022, maior evento de tecnologia, criatividade e inovação da América Latina.