Quarta-feira, 16 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 28 de julho de 2018
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A eleição presidencial está cada vez mais próxima. Perigosamente, devo confessar. Sou e sempre fui defensor do Parlamentarismo, tanto que, na Constituinte, lutamos muito para implantá-lo. Fomos vitoriosos até a Comissão de Sistematização, penúltima etapa de grandes decisões. Nela se reuniam as melhores cabeças pensantes e, evidentemente, os mais conhecidos e reconhecidos líderes políticos do País.
Por que falo em “perigoso”? Justamente ao lembrar que, logo ali, mais de cem milhões de brasileiros estarão, pelo voto obrigatório – sou contra – decidindo quem será o futuro “imperador” nacional (e as opções, salvo raríssimas opções, não são nada animadoras).
E não há exagero nessa afirmativa. A inclusão no texto da Carta Magna de 88, em seu artigo 62, da figura da Medida Provisória (não gêmea, mas irmã de sangue do decreto-lei) que se “justificaria” pela ocorrência de “relevância e urgência”, motivações tão largas e flexíveis quanto a vontade dos interpretes, foi a entrega ao chefe do Governo de um discricionarismo que o tempo comprovou, com a edição de centenas (sim, centenas) de Medidas Provisórias, tratando de quaisquer assuntos que apeteçam a ilimitada vontade presidencial.
Com os poderes que a própria Constituição que se estava a elaborar, outorgou ao presidente da República, por surpreendente ingenuidade de vários; por dificuldade de outros que estavam com melancólica saudade (pode?) antecipada de um regime que, chegando a moribundo, conseguiu sobreviver; pelo apoio dos então tidos como fortes candidatos a presidente que já, em delírios de poderes, se achavam assumindo a chefia do Executivo; pelas barganhas e seus escabrosos procedimentos desencadeados por Sarney e sua tropa, ansiosos, babando, antecipadamente, com o poder que o regime centralizador e quase despótico lhes permitiria desfrutar; por desatenção de alguns, verdadeiros passageiros transitórios da Constituinte, que nela haviam chegado como representantes de grupos corporativos e só os seus restritos temas conseguiam mobiliza-los (eram verdadeiros constituintes de uma nota só) etc, etc, etc.
O que nunca se disse com muita clareza foi o quanto tinha avançado o Parlamentarismo. Ao folhear o texto da Carta Magna, o leitor verificará que o espaço reservado às normas constitutivas do Parlamentarismo antecede o que se destina ao Executivo, o que, no simbolismo das hierarquias constitucionais, representava que nele se concentrava o “poder mais poder”.
E era esse mesmo o motivo da nossa antecipação, rejeitando o perfil das Cartas anteriores.
O País engravidara da Constituição e tudo indicava que nasceria o Parlamentarismo (a Comissão de Sistematização lhe dera todos os tônicos fortificantes possíveis). Na reta final, chegando ao Plenário, o Palácio distribuiu benesses que deixam as tão comentadas emendas parlamentares de hoje, morrendo de vergonha, por serem ninharia.
O Planalto presenteou parceiros de antes e novas conquistas com emissoras de rádio – mero aperitivo – e canais de televisão como prato forte. E mais. Muito mais. Financiamentos, empréstimos e aí estavam os bancos oficiais, solícitos e ágeis como nunca, atendendo expectativas de parlamentares que trocavam o idealismo institucional para o amanhã pela vantagem pessoal em patrimônio de pronta entrega.
Não devemos, neste triste, porque imoral e amoral, registro histórico, esquecer que, junto com a derrota do Parlamentarismo, do lamentável “combo constitucional” fez parte o aumento de 4 para 5 anos do mandato do Sarney (injustificável no bom senso político e ético mas fruto de interesses subalternos). E assim foi feito, enlutando um processo que nascera limpo e que procedimentos escusos emporcalharam. É a tese do Bismarck, exposta num exemplo prático: “se as pessoas soubessem de que e como se faz a salsicha, seguramente não a comeria”. E prosseguia a chanceler prussiano: “Vale o mesmo para as leis”.
Uma generalização impiedosa de um político prussiano, não muito afeito a cumprir as leis, com exceção das de sua lavra. No entanto, lamentável reconhecer que, em parte, tinha ele suas razões.
Quando dissemos, de início, que tememos a eleição presidencial é justamente porque, no artigo 62 da Carta, alegando falsas “exceções especialíssimas” e inspirados no modelo italiano (que é parlamentarista e portanto vive noutro contexto) introduziu-se, após duros debates, a Medida Provisória – na prática, dando a “faca e queijo” do poder absoluto, como no caso do famoso decreto – Lei dos governos militares, ao presidente, assegurando-lhe comandar um Executivo que tudo pode e um Legislativo autocastrado.
Pobre presidente Ulysses Guimarães que, bastante enfermo, empolgado com a decoração institucional da Constituinte, anunciou, com a voz embargada, que se estava proclamando à Constituição Cidadã.
Ela significou um esforço de muitos, mas não de todos, para ganhar-se novas fronteiras do Direito. Reconhece-lo e proclama-lo é justo. Cabe, porém, como partícipe atuante e testemunha privilegiada, lembrar que bem mais se poderia ter feito (trocando o Centrão pela Sistematização) e, em certos casos, desfeito, para que ela realmente fosse adjetivada com a “cidadania”, que mereceu (?) a produção emocionada de Ulysses.
Não dá para compara-la com a salsicha de Bismarck. Seria desrespeito e uma grande inverdade, mas que é bom “lava-la com água bem quente antes de come-la” é recomendável precaução.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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