Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada no domingo revela que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou a construção de barragem na República Dominicana pela empresa brasileira Andrade Gutierrez. O empréstimo, estimado em cerca de 786 milhões de reais, foi acertado em 2013 com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que sustenta o seguro-desemprego e outros benefícios.
As condições prevêem o pagamento em 12 anos e o primeiro repasse do BNDES em até quatro anos, o que ainda não ocorreu. De acordo com profissionais do mercado financeiro ouvidos pelo jornal, a instituição só não sofreu prejuízo porque recorreu ao FAT. Eles também chamaram a atenção para os juros: o país caribenho pagará 2,3% mais a taxa Libor, uma das mais baixas do mundo.
“Pela primeira vez, conhecemos as condições e taxas aplicadas. Temos uma pista de como podem ser os financiamentos para outras construtoras”, disse o professor do Insper Instituto, Sérgio Lazzarini, que há mais de uma década estuda a atuação do BNDES.
Desde 2007, o banco apoia as chamadas “exportações de serviços”, que incluem o financiamento de obras de empreiteiras no exterior. Jamais divulgou, no entanto, os valores e termos das operações. Esse sigilo, muitas vezes alvo de polêmica, acabou quebrado pela divulgação de um contrato de crédito no próprio site do governo caribenho.
Resposta
Por meio de sua assessoria de imprensa, o BNDES garantiu que a operação deu retorno, pois o dinheiro do FAT é uma fonte barata. No entanto, negou que o banco conceda subsídios e frisou que os créditos às exportações são pagos em reais para as empresas no Brasil e com benefícios para o País. Ressaltou, ainda, ter liberado 54 bilhões de reais, de 2007 a 2013, para financiamentos à exportação que mobilizaram 3.528 fornecedores.
O economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, diverge. “É um absurdo que o BNDES dê subsídio com sigilo e sem detalhar os ganhos por projeto. Com dinheiro público deve haver transparência e boa gestão”, alertou.
O Conselho Deliberativo do FAT permite, em resolução, que o BNDES destine até metade de seus recursos do Fundo em operações de crédito à exportação. Em abril, o banco tinha 202 bilhões de reais do FAT.
Apesar de arrecadações recordes, o Fundo apresenta déficit. O rombo não tem sido amenizado nem mesmo com as recentes mudanças, aprovadas pela Câmara dos Deputados, para restrição do acesso do trabalhador a benefícios como o seguro-desemprego e abono salarial. Estima-se que, em 2015, o Tesouro Nacional terá de injetar quase 2 bilhões de reais no FAT.
Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) já havia concluído, no ano passado, que parte desse problema está no fato de o BNDES reter alto volume de recursos do fundo e determinou a sua devolução, pois a prioridade do FAT é, justamente, garantir a assistência aos trabalhadores. O banco, por sua vez, alega precisar do dinheiro para a manutenção de programas.
Empreiteiras
Entre 2007 e 2014, o BNDES desembolsou recursos para 425 operações de exportação. Pouco mais de 130 delas (cerca de um terço) beneficiaram pelo menos seis empreiteiras, incluindo a Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa, empresas que têm sido alvo da Operação Lava-Jato, que apura denúncias de corrupção na Petrobras. Esse dinheiro já serviu para bancar hidrelétrica no Equador, rodovias em Angola e infraestruturas portuárias em Cuba, por exemplo.
As análises solicitadas aos especialistas sugerem que o financiamento da obra na República Dominicana representou um negócio “muito ruim” para o Brasil e que não deixou claro o verdadeiro ganho para o País. “Isso é uma grande maluquice. O que eles estão fazendo lá?”, questionou um dos executivos consultados. (AE)