O slogan “Lula Livre”, que ganhou força quando o então ex-presidente estava preso por condenações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, serviu essencialmente aos interesses de Lula e do PT. A narrativa, ao invés de fortalecer a esquerda como um todo, aprisionou o campo progressista à candidatura do próprio Lula em 2018. Agora, a história se repete na direita.
A pauta da anistia para os condenados pelos atos de 8 de Janeiro e a tentativa de reduzir o prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa de oito para dois anos interessam apenas a Bolsonaro, não à direita de forma geral. São medidas que reforçam seu protagonismo e minam o surgimento de novas lideranças conservadoras e comprometidas com a democracia no País.
Em 2018, mesmo preso, Lula conseguiu se manter politicamente relevante e praticamente inviabilizou a construção de candidaturas alternativas e competitivas na esquerda. A percepção de que apenas ele teria força eleitoral para derrotar Bolsonaro consolidou sua hegemonia e interditou o caminho para candidatos alternativos.
Agora, a defesa da anistia aos envolvidos nos ataques às instituições democráticas e a proposta de flexibilização da inelegibilidade têm o mesmo efeito para Bolsonaro. Essas pautas impedem a direita de se renovar, mantendo-o no centro da discussão política e garantindo sua influência na eleição de 2026, seja como candidato, seja como fiador de uma candidatura de sua estrita confiança.
O maior beneficiado por essa movimentação é o próprio ex-presidente. Se anistiado, ele pode disputar as eleições novamente. Mas, mesmo sem concorrer, seguirá como líder incontestável da direita, dificultando o surgimento de novos nomes competitivos.
Construir uma candidatura viável à Presidência da República em um sistema presidencialista multipartidário já é um grande desafio. Além de exigir um nome carismático e com projeção nacional, a empreitada demanda altos investimentos e um grande esforço político dos partidos. Muitas legendas preferem focar em candidaturas legislativas ou estaduais, que oferecem menor risco e retorno eleitoral mais previsível.
Nesse cenário, figuras carismáticas de perfil populista como Bolsonaro bloqueiam o surgimento de alternativas. Quando um nome já consolidado monopoliza o eleitorado e os recursos, partidos hesitam em lançar novas candidaturas.
O novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), parece ter caído nessa armadilha. Ao minimizar os eventos do 8 de Janeiro e considerar legítima a proposta de flexibilizar a Lei da Ficha Limpa, ele reforça a ideia de que apenas Bolsonaro teria condições de derrotar Lula.
No fim das contas, a anistia e a flexibilização da inelegibilidade não servem à direita, mas a Bolsonaro. O que está em jogo não é o futuro do campo conservador, mas a manutenção de um projeto político personalista, que impede a renovação e mantém o ex-presidente como peça central do jogo eleitoral. (Carlos Pereira/Estadão Conteúdo)