Preso há um ano e oito meses, o motorista Robson Nascimento de Oliveira, de 48 anos, sabia que sua rotina na última terça-feira (17) seria um pouco diferente da maioria dos 609 dias passados na Unidade Penal de Kashira, na Rússia.
Na cidade localizada a cerca de 110 quilômetros ao sul de Moscou, ele deixou momentaneamente a cela que divide com mais dois prisioneiros e foi conduzido a mais uma audiência do caso pelo qual perdeu a liberdade. Diante da juíza O.V. Pischukova, funcionários do aeroporto Domodedovo, na capital russa, referendaram o que encontraram na bagagem levada por Oliveira ao chegar ao país: duas caixas, com 40 comprimidos no total, do remédio Mytedom — cloridrato de metadona — 10mg.
A substância é proibida na Rússia. Oliveira chegou a Moscou em 10 março de 2019 com a pretensão de trabalhar para o casal William Pereira de Faria e Sibele Vieira Rivoredo, sogros do volante Fernando, que à época jogava no Spartak Moscou. O remédio que estava na bagagem é prescrito no Brasil para pacientes que convivem com dor ou tratamento de desintoxicação de narcóticos e foi apreendido pelas autoridades.
William alegou ter pedido a medicação por sofrer de dores nas costas. Oito dias depois, a dor de cabeça real veio para Oliveira quando ele foi preso depois de prestar depoimento na delegacia do aeroporto.
No mês passado, o presidente Jair Bolsonaro interferiu pessoalmente no caso de Oliveira. Uma carta foi enviada ao presidente russo, Vladimir Putin, pedindo a soltura do motorista, sob o argumento de que ele entrou nessa situação por total desconhecimento da regra local.
O documento foi levado pessoalmente a Moscou pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Nelsinho Trad (PSD-MS), e pela secretária de Negociações Bilaterais na Ásia, Pacífico e Rússia do Ministério das Relações Exteriores, Márcia Donner Abreu.
Na carta, Bolsonaro recordou as relações amistosas entre Rússia e Brasil e sugeriu o estabelecimento de uma fiança para que Oliveira possa responder ao processo em liberdade. A viagem foi planejada pelo Itamaraty, que convidou Trad, figura próxima ao filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Por meio de canais não oficiais diplomáticos, Putin, que nesta semana, durante um encontro dos Brics, afirmou que o mandatário brasileiro “expressa as melhores qualidades masculinas”, sinalizou com uma saída. O melhor agora para o caso é uma condenação rápida e célere. E uma imediata transferência para o Brasil após a sentença.
Para o dia 8 de dezembro, está programada mais uma audiência. A perspectiva para a ocasião é que outros agentes do aeroporto deem a versão dos fatos. A promotoria pede uma pena pesada, que pode chegar a 20 anos de prisão, mas, em uma estratégia acertada pelos governos do Brasil e da Rússia, a ideia é esperar a decisão final do Judiciário, para que depois se possa atuar politicamente sobre o caso.
O advogado de defesa do motorista, Olímpio Soares, afirmou que vai obstruir o mínimo possível para evitar atraso ainda maior na resolução do caso. Na Rússia, quem acompanha Oliveira no tribunal é o advogado Pavel Gerasimov, que trabalha em conjunto com Soares.
Durante o processo, o defensor russo abriu mão de todos os instrumentos de defesa, como questionar os agentes públicos da Rússia, para agilizar a condenação. “Estamos correndo com o processo para o Robson Oliveira receber a sentença e pedirmos a transferência dele para o Brasil ou receber o perdão russo. Bem verdade que não trabalhamos com a possibilidade de ser absolvido, tendo em vista que o crime realmente aconteceu, as malas foram despachadas por ele no aeroporto”, admitiu o defensor, que é pago pela família do jogador.
Bolsonaro interessou-se pessoalmente pelo caso. Em uma conversa com populares, gravada em vídeo e exibida na internet, chegou a mencionar Oliveira e dizer que não mediria esforços para resolver seu caso. O jogador Felipe Melo, do Palmeiras, apoiador do presidente, também usou suas redes para pedir que Bolsonaro intercedesse no caso. Há cerca de um mês, o advogado que passou a prestar consultoria para a defesa de Oliveira é o criminalista Daniel Bialski, que defende a primeira-dama, Michelle, em casos de ataques a ela nas redes sociais.
Bialski é um criminalista conhecido da Lava-Jato e já teve como cliente Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, condenado por operar propinas do PSDB; Atila Jacomussi, prefeito de Mauá, investigado por desvio de recursos destinados ao combate à covid-19; e atuou no caso de Cynthia Giglioli da Silva, ex-mulher de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, considerado o líder de uma facção criminosa de São Paulo. O advogado afirmou que trabalha apenas como consultor para Oliveira e afirmou que indicou o escritório Campos Mello Advogados para conduzir a ação.