O ex-juiz Sérgio Moro, segundo ele mesmo, aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro para ocupar o cargo de Ministro da Justiça, porque estava cansado “de levar bola nas costas”. Com ele no ministério, as coisas funcionariam.
No governo, se algo não lhe faltou foram bolas nas costas. Engoliu sapos homéricos. Era para ser o superministro, o grande condutor de dois pilares dos compromissos de Bolsonaro, o combate à corrupção e ao crime organizado. Acumulou perdas e derrotas, só emplacou uma ou outra iniciativa de sua lavra e concepção.
O ex-juiz que provocava calafrios nos corruptos da República, que rugia como um leão na operação Lava Jato, no governo amarelou e passou a miar como um gatinho novo.
Bolsonaro, de sua vez, com o calculismo costumeiro, com a frieza e a desfeita que se permitem os ingratos, foi tomando pulso e temperatura de Moro. E cedo descobriu que valia a pena esticar a corda, um pouco, e mais um pouco: sempre podia contar com a vacilação e o recuo do ex-juiz.
Sérgio Moro, com o seu prestígio no Brasil e no exterior, deu certa conspicuidade ao brilho opaco da equipe ministerial. Não é demais imaginar: a cada decepção de Moro, a cada derrota do ex-juiz, Bolsonaro sorria discretamente – doce e prazerosa vingança do famoso episódio em que ele, candidato a presidente, foi esnobado por Moro no aeroporto de Brasília.
Moro lembrou que, quando foi convidado para o ministério, fez um único pedido: que a família dele não ficasse mal, caso algo lhe acontecesse no combate ao crime organizado. Moro abriu mão de 22 anos de carreira na magistratura – por idealismo (?) ou ambição, não importa – para ser Ministro de Estado. Cabia a exigência? Teria ele direito a uma condição especialíssima? Era questão para ser resolvida entre os dois – Bolsonaro e Moro – ou era assunto da lei? Moro, que era juiz, não conhecia o que diz a lei a respeito?
Bolsonaro, de seu lado, “quase implorou” a Moro que a Polícia Federal se empenhasse em descobrir os mandantes de Adélio Bispo, o maluco que quase o matou com uma facada. Reclamou que a PF dava mais atenção ao caso Marielle do que ao dele. Ciumento, possessivo e egocêntrico, Bolsonaro tomava cada ação ou omissão pelo lado estritamente pessoal. Todas as queixas do presidente revelam uma visão embaçada de mundo, de Estado, das instituições republicanas, que poderiam ser resumidas em uma pergunta: “o que você, Moro, está fazendo por mim?”.
Teria Moro proposto a demissão de Maurício Valeixo da PF para novembro, depois da sua nomeação para o STF, como alega Bolsonaro? Palavra contra palavra, nunca saberemos. Mas das duas, uma: Bolsonaro inventou a barganha, descendo até o fundo do poço moral para livrar a cara; ou Moro, de fato e de algum modo, propôs tal acordo: então tudo o que se diz dele, de mal, é pouco.
As falas de Jair Bolsonaro e Sérgio Moro na sexta-feira sinistra escancaram a vulgaridade de ambos, o desapreço pelas instituições e valores republicanos, o descompasso com deveres banais dos homens públicos. O capítulo final das relações de um e outro não melhorou a biografia de nenhum dos dois.
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