A realidade dos desaparecimentos de pessoas no Brasil ainda desafia o poder público. Conforme dados do Anuário da Segurança Pública 2024, no ano passado foram registrados 80.317 casos em todo o País.
O número evidencia um aumento geral de 3,2% ao longo de 2023 em relação ao levantamento anterior. Apesar disso, o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, enfatiza que todo aumento de estatística precisa ser olhado com cautela.
“Por um lado, a gente tem o fenômeno da notificação, do quanto as pessoas estão acessando a polícia para registrar um boletim de ocorrência. É uma medida de confiança na atuação policial, de formalização do reconhecimento desse desaparecimento”, explica Marques.
Para ele, em contextos nos quais a Polícia Civil possa estar mais organizada para o atendimento desses casos, existe a possibilidade de um aumento de notificações, o que pode ou não refletir o número de desaparecimentos em si.
“O exemplo mais claro disso é quando se olha para o DF, que está mais bem organizado para lidar com essas questões. Tem delegacia especializada, os relatórios têm até o perfil das vítimas. Tem um trabalho mais refinado e acaba tendo um volume bastante significativo de casos. Essa é uma das hipóteses”, detalha.
Desafios
Outro fator que dificulta a mensuração dos casos de desaparecimentos é a não-linearidade na solução de casos. Significa dizer que os 52.970 desaparecidos encontrados em 2023, conforme os dados do Anuário, não necessariamente desapareceram no mesmo ano, ou no ano anterior. Assim como há pessoas que são reencontradas rapidamente, há desaparecidos há décadas, cujas famílias nunca obtiveram informações sobre os paradeiros delas.
É o caso de Fabiana, 13 anos, que desapareceu em uma avenida movimentada da maior cidade do país na noite de 23 de dezembro de 1995. A mãe, Ivanise Esperidião da Silva, retornava de um compromisso, quando percebeu que a filha não tinha retornado para casa.
São Paulo já se iluminava com as decorações de Natal. Era 20h, quando saiu de casa com uma amiga da escola para parabenizar outra colega pelo aniversário. Um trajeto de ida e volta que deveria durar 20 minutos. Mas Fabiana nunca mais voltou para casa.
“Na hora, você não pensa no pior. Eu falei para minha outra filha, perguntei se não estava escondendo nada de mim. Por ser uma adolescente de 13 anos, a primeira coisa que veio na minha cabeça era que ela podia ter um namoradinho e eu não saber”, relembra.
Fabiana estava desaparecida, e por três meses Ivanise procurou por ela em todas as partes da capital paulista. Em uma época em que pouco ou nada se falava sobre desaparecimento de pessoas, foi por um bom tempo uma luta solitária.