“Pinah, ê ê ê, Pinah, a Cinderela Negra que ao príncipe encantou”. Basta Neguinho da Beija-Flor cantar o hino que embalou a escola nilopolitana no seu campeonato de 1983 para a baluarte Pinah se emocionar. Os versos antológicos eternizaram o dia em que a destaque bailou com o príncipe Charles, que no dia 6 será coroado, firmando-se como o primeiro rei britânico a já ter participado do ziriguidum.
Quadro décadas depois, a parceira de dança deseja um reencontro com o monarca “para firmar o negócio”, porque “só ficar no principado não dá”. Ela por si só também é realeza, ícone da agremiação da Baixada Fluminense, e lembra com detalhes do dia 10 de março de 1978, quando o galanteador príncipe de Gales passou nove dias no Brasil.
Charles queria conhecer a festa cuja fama havia cruzado o Atlântico, e o então prefeito Marcos Tamoyo convidou a Beija-Flor para uma apresentação no Palácio da Cidade, em Botafogo. A escola havia conquistado um tricampeonato em fevereiro daquele ano sob o comando de Joãosinho Trinta, e escolheu 400 componentes para o mini-desfile pelos jardins do prédio oficial. O príncipe observaria tudo da sacada.
“De repente me desce um cara desengonçado de terno, que começou a dançar. Ele deu a mão ao Joãosinho, que passou ele para mim. Nisso, eu dancei, mas sem ligar muito para quem era. Poderia ser um convidado, alguém da delegação. Eu dançava samba, ele dançava charleston. Foi super engraçado”, disse ela.
As imagens do gingado da destaque em contraste com os passos descoordenados do rei britânico marcaram a passagem de Charles pelo Brasil.
Pinah nunca mais encontrou o parceiro de samba-charleston, apesar de algumas tentativas malsucedidas de uni-los durante os anos. Uma delas a levaria a Londres para encontrá-lo, mas foi suspensa quando a rainha Elizabeth II morreu em setembro do ano passado.
A dupla tem um amigo em comum, que leva notícias da baluarte para o rei e vice-versa, e orquestra um projeto para o reencontro, que ainda não tem data definida. Pinah sabe, contudo, que em maio não vai ser:
“É bom até que ele seja coroado antes”. disse ela. “Eu até brinquei com esse meu amigo, disse: “avisa para ele [Charles] que nós dançamos quando ele era um mero príncipe. Hoje ele é rei. Tenho que dançar com o rei para firmar o negócio. Só ficar no Principado não dá”.
Ícone do carnaval
O encontro com o rei britânico é só um capítulo da história de Pinah no carnaval, que se confunde com os triunfos da Beija-Flor e da própria folia. Quando Charles veio ao Brasil, ela estava há pouco tempo na escola de Nilópolis, recém-chegada do Salgueiro, onde havia desfilado — e sido campeã — com Joãosinho Trinta em 1974 e 1975.
“Ele me ensinou muita coisa. Depois que eu casei e vim morar em São Paulo, a maioria dos enredos dele na Beija-Flor foram criados dentro da minha casa. Ele dizia que era o único lugar onde tinha tranquilidade para desenvolver o raciocínio sem que ninguém o encontrasse”, disse ela, que é dona do Palácio Das Plumas, loja de produtos carnavalescos na capital paulista.
Pinah foi uma figura ativa nos 14 títulos da Beija-Flor, firmando-se como uma das destaques mais marcantes do carnaval. Há uma série de referências ao longo dos anos que a chamam de passista, posto que nunca ocupou. Brincando, ela diz que “não sabe nem sambar”, antes de elogiar os passos das rainhas de bateria.
Hoje Pinah prefere desfilar de diretoria, o que permite a ela andar pela avenida e ver a escola inteira passar. “Por que não mais ser destaque?” para ela é uma pergunta não muito difícil de responder: tudo tem uma época e passar o bastão é o que permite a tradição se perpetuar. O que fica é o legado, que em seu caso inclui ter o nome eternizado em um dos sambas-enredos mais bonitos da História.