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Brasileiro diz que juventude acaba aos 37 e velhice começa aos 64. Tempo virou trunfo para os “sem idade”

O idoso se transformou em alvo para produtos, serviços e ideias. (Foto: Reprodução)

Demógrafos deixaram de contar só os anos desde o nascimento, antropólogos veem uma reinvenção da velhice, valores que valiam antes hoje não têm mais valor, e pergunte aos brasileiros com que idade ficamos velhos: as respostas vão de 14 a 130 anos.

Na média, segundo a população, a velhice começa aos 64. Com tamanha amplitude de números, convém também olhar o que aparece no meio (mediana), que é 60.

A cada 10 pessoas, porém, 1 delas não sabe dizer quando é que envelhecemos.

“Existe uma ‘descronologização’ da idade”, observa a professora de antropologia da Unicamp Guita Grin Debert. A fatia acima dos 60 anos abriga “grande diversidade econômica, sociocultural e, principalmente, de autonomia, que tem a ver com capacidade e não com idade”.

O próprio significado da faixa etária precisa ser ajustada a cada época, defende uma corrente de demógrafos voltada à formulação de políticas públicas.

Nos cálculos de Sergei Scherbov, diretor de demografia do Iiasa (International Institute for Applied Systems Analysis) e um dos principais especialistas mundiais em medida de populações, os 60 podem ser os novos 50.

Em vez de contar o número de anos já vividos, Scherbov olha para quantos anos de vida ainda falta viver.

Para um australiano de 62 nos anos 2000, seriam mais 19 anos e meio. Em 1950, para ter a mesma sobrevida, teria que ser oito anos mais novo. “Tratar do envelhecimento com base apenas na idade cronológica é incompleto e inadequado”, diz Scherbov.

Velhos jovens

O que os demógrafos estão fazendo é dar novo significado ao fato de que, na maioria dos países, há cada vez mais gente vivendo cada vez mais.

No Brasil do ano 2000, por exemplo, havia 9,7 milhões de brasileiros com 65 anos ou mais, e eles eram menos de 6% da população. O número dobrou para 17,6 milhões em 2017, e a fatia superou 8%.

Em 2030, 30 milhões de brasileiros (ou 13% do total) estarão acima dos 65 anos, na estimativa do IBGE.

Sinal de que o País está cada vez mais velho? Para quem conta anos já vividos, sim.

Mas, para quem olha a vida que resta, a juventude e a maturidade se alongam, e haverá mais gente ainda ativa.

Na média, os brasileiros já se consideram jovens até os 37 anos, mas essa faixa fica cada vez mais elástica e chega aos 47 nas respostas das mulheres com mais de 60.

Entre idosos escolarizados, a régua sobe para 51 anos, e 19% dizem que só se perde a juventude após os 60 anos.

Otimismo feminino

É uma nova perspectiva que já se confirma na prática, diz Guita Debert. “Há algumas décadas, a mulher de 40 anos era considerada velha e vivia como velha. Hoje desfruta a vida.”

Na pesquisa Datafolha, idosas afirmam que a velhice só começa após os 69 anos.

Não é à toa que os estudos mostram os idosos com níveis de felicidade semelhantes aos de jovens de 20 anos.

“Eles usufruem da liberdade individual e têm a vantagem sobre os mais jovens de perceber que não são escravos da opinião alheia”, diz o filósofo Luiz Felipe Pondé.

A pesquisa Datafolha mostra que, de fato, os maiores de 60 anos estão satisfeitos com sua idade e aparência.

Com a mudança de comportamento, o idoso se transformou em alvo para produtos, serviços e ideias.

“Mas para os que não são consumidores e estão fora da cadeia produtiva e narrativa, a situação hoje é pior do que antes”, ressalva Pondé.

Guita chama a atenção para o fato de que as políticas atendem aos “idosos jovens”: ginástica, dança, atividades variadas, praia. “Mas há uma precariedade muito grande para quem perdeu a autonomia. Não há soluções públicas de hospedagem e acolhimento para ‘idosos velhos'”.

Sem idade

A tendência de chegar aos 50, 60 ou 70 sem sentir o “peso dos anos” nem se identificar com os clichês da terceira idade tem recebido várias etiquetas. Foi apelidada de movimento “ageless” (sem idade, em inglês): pessoas cuja identidade é mais social que cronológica.

“Somos pessoas relevantes de todas as idades, que vivem o tempo presente, sabem o que acontece no mundo, estão em dia com a tecnologia e têm amigos de várias gerações”, escreveu a diretora criativa norte-americana Gina Pell ao cunhar outro termo para o grupo: “perennials” (perenes, em inglês).

Ativos e criativos, curiosos e colaborativos, os perennials mantêm certo gosto pelo risco, sem perder o lastro da maturidade, a partir da qual se tornam mentores dos amigos mais novos. Confiantes, aceitam a passagem do tempo e assumem seus efeitos sem muitos disfarces.

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