“Eles não estão nem aí com o que você construiu no país. Até mesmo o animal de estimação ficou para trás.”
Esse é o relato do tratorista André dos Santos, de 26 anos, um dos deportados vindos dos Estados Unidos no segundo voo de brasileiros que chegou a Belo Horizonte (MG) na noite da última sexta-feira (7).
Além de Foggy, um furão de 1 ano, André deixou para trás uma casa recém mobiliada na cidade de Needham, no estado de Massachusetts.
“A esposa ficou e está cuidando dele para mim. Se não fosse ela, ele [Foggy] estaria passando fome. É muito triste. Ela está ajeitando tudo para vir, peço a Deus que ela não seja pega”, desabafa.
Nos Estados Unidos, André trabalhava com caminhão de guincho cerca de 14 horas por dia, todos os dias da semana, para conseguir garantir a renda de que precisava.
Até que, em novembro do ano passado, quando estava indo ao banco, foi preso pela Imigração e Alfândega dos EUA (ICE). Passou cerca de dois meses e meio detido.
André conta que não pensou em reaver os itens, por causa do alto custo do transporte e da burocracia do trâmite.
Entre esses órgãos procurados estão Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Justiça, Ministério dos Direitos Humanos e a Polícia Federal, mas recebeu pouca ou nenhuma informação sobre o que ocorre com esses bens.
Interlocutores do Ministério das Relações Exteriores informaram que a responsabilidade pelos bens é de exclusividade dos deportados e que o órgão não tem qualquer ingerência nesse contexto.
Caso parecido ao de André aconteceu com o bancário Pedro Henrique Torres, de 26 anos, e a esposa dele Camila Lopes Torres, de 27. Pedro sequer conseguiu levar uma mala de mão ao ser deportado.
Entre os bens deixados por ele nos Estados Unidos estão documentos pessoais, o celular e itens de valor sentimental, como as alianças de casados, dadas a ele como herança pela avó, antes de ela falecer.
“Chegamos aqui sem nada, somente com o passaporte e o telefone da minha esposa. Chegamos sem dinheiro, chegamos sem poder comunicar com a minha mãe”, conta.
Pedro afirma que foi o único brasileiro deportado nesse último voo que não conseguiu embarcar com os pertences.
Ainda segundo ele, os cartões de débito e crédito, a certidão de casamento e também uma correntinha de ouro que ele tinha dado de presente para a esposa também ficaram.
“A minha aliança foi a minha avó que deixou pra mim, deixou para que a minha mãe me desse quando eu fosse me casar”, conta o bancário.
Bens
A professora da Faculdade de direito da Universidade de Brasília Inez Lopes analisa a questão dos bens dos deportados como um caso fortuito, de difícil previsão e igualmente delicado.
Ela explica que, embora os bens pertençam à pessoa deportada, como conta bancária, veículos e itens pessoais, não existe regra explicita com relação aos direitos de pessoas deportadas.
“O Estado tem o direito de tirar essas pessoas do país porque elas estão irregulares e, assim, não se concede o direito de tirar os bens”, afirma. “Mas, quando a gente tem uma visão da dignidade da pessoa humana, o Estado americano deveria assegurar o direito de propriedade desses bens, mas pelos relatos não é isso que acontece”, prossegue.
O fato de os Estados Unidos não fazerem parte de um sistema interamericano de direitos humanos, segundo ela, dificulta ainda mais a situação dos deportados. A especialista sinaliza ainda que o Brasil tem um sistema mais humanizado comparativamente.
“Nos Estados Unidos, eles praticam violação de direitos humanos porque não se assegura direitos basilares como o direito de retirar os pertences. Se você desse à pessoa o direito de ter um tempo para pegar seus bens seria menos traumático”, afirma.
A especialista frisa que em situações de dinheiro deixado em contas bancárias internacionais é possível resolver a situação à distância. O que não é permitido, segundo ela, é o banco expropriar os valores de deportados.
“O valor deixado lá vai ficar na conta eternamente se ela não buscar, mas essas coisas podem ser resolvidos à distância. O deportado sempre vai ser cliente do banco e o banco terá que continuar cumprindo com o acordo feito com o cliente”, diz. “Não pode haver confisco em caso de deportação”.
No caso de carros, não é possível passar a propriedade desses bens sem autorização da pessoa, mas que, em caso de multas feitas por outra pessoa no carro de um deportado, por exemplo, não é possível responsabilizar o dono do carro pela infração.
Em casos de aluguéis de imóveis, Inez explica que é possível ao deportado fazer uma rescisão contratual por uma circunstância extraordinária, à distância, e que, no caso de pagamentos futuros, o deportado também não pode ser responsabilizado.