Em um raio de 15 quilômetros, no coração da capital brasileira, existem atualmente 1.105 empresas de informática que fecharam contratos para fabricar ou fornecer programas de computador e serviços de tecnologia a órgãos federais. Brasília (DF) se assemelha a uma espécie de Vale do Silício brasileiro. Parte delas, no entanto, compõe um universo de empresas de fachada que nada produzem – quando muito, servem de atravessadoras comprando produtos para revender a preços mais caros ao governo –, mas que muito faturam a custa desse varejo de corrupção que se tornou parte do setor de TI na máquina federal.
Para chegar a esse diagnóstico, o jornal O Globo contou com o auxílio da Associação Contas Abertas que realizou uma ampla varredura no sistema de compras do governo e descobriu que apenas em 2017 a máquina federal desembolsou R$ 4,8 bilhões com gastos em tecnologia da informação. O vale do silício candango faturou R$ 3 bilhões desse bolo, sendo a imensa maioria dos contratos sem licitação.
A partir desse levantamento, o jornal O Globo passou dois meses em campo, batendo de porta em porta nos endereços informados pelas empresas nos contratos com o governo para conhecer esses fornecedores que faturam milhões com os cofres públicos.
A lista de pagamentos do governo verificada pelo jornal é formada por empresas que só existem no papel, registradas em salas vazias ou em bancos de caixas postais e até em escritórios de contabilidade. Há também empresas de informática registradas nos mesmos endereços de uma academia de ginástica e de uma clínica médica, por exemplo, que receberam juntas R$ 35,2 milhões.
Em julho de 2017, o Tribunal de Contas da União cancelou contratos com uma dessas empresas após identificar sobrepreço de 2.500% em licenças de softwares vendidas para o Ministério da Educação.
Nos casos em que encontrou a empresa estabelecida no endereço informado no contrato, o cenário era curioso. Nas supostas empresas de TI, o mais difícil foi encontrar computadores ou estruturas de tecnologia. São negócios que movimentam milhões se valendo apenas de uma salinha com telefone, de um atendente e, claro, dos contatos certos no governo.
Uma das empresas localizadas em escritórios inteligentes, que servem apenas para centralizar correspondência de várias empresas, recebeu R$ 2,5 milhões do Ministério da Saúde para fornecer software e prestar serviços técnicos à Funasa, a estatal que cuida da saúde de comunidades indígenas.
Desde que começou a atuar na esfera pública, em 2009, a PTV embolsou R$ 15,3 milhões do governo. O dono é um dentista, especializado em próteses dentárias, que atualmente cursa o doutorado em odontologia na Universidade Federal Fluminense, em Niterói. O sócio da PTV, Pedro Vasconcelos, reconheceu que a empresa existe apenas de forma virtual e não tem funcionários.
“Olha só, eu compro do fabricante e passo para o governo. Esse valor alto do contrato é por causa do software que a gente intermediou. A parte do serviço é pequenininha, está entendendo?”
O “pequeno” valor do qual Pedro se refere é o montante de R$ 2,3 milhões pagos por serviços técnicos profissionais como manutenção de software, treinamento de pessoal e transferência de conhecimento. Pedro não soube detalhar como esses serviços estão sendo prestados, se sua empresa não tem quadro funcional e é, como ele mesmo admite, “virtual”.
“Não posso te responder assim, por telefone. Eu tenho um escritório na Presidente Vargas (no Rio de janeiro), mas agora está fechado. Mas o negócio é virtual, tá?”, disse.
Em apenas um prédio da região central de Brasília, o jornal O Globo verificou a existência de oito escritórios de TI que receberam, ao todo, R$ 40 milhões do governo em 2017. Ao visitar os endereços constatou-se que, na prática, apenas dois escritórios funcionavam com estrutura mínima. O restante estava fechado em horário comercial ou simplesmente eram endereços de fachada, desconhecidos até mesmo dos vizinhos de porta.
Em uma das empresas visitadas, a secretária não tinha sequer cartões de visitas dos donos, mas tinha um “kit licitação” para fornecer. É por meio desse kit, que reúne toda a documentação exigida pelo governo para fechar um negócio, que as empresas conquistam seus contratos de informática.
Em muitos casos, os órgãos gastam milhões em programas de computador que poderiam ser substituídos por softwares livres sem custo. As denúncias dessa natureza se avolumam nas corregedorias dos ministérios e terminam quase sempre engavetadas.