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Brechas na lei podem permitir a derrubada de áreas de conservação na Mata Atlântica

Desmatamentos autorizados no bioma também preocupam especialistas em todo o País. (Foto: Arquivo/SOS Mata Atlântica)

Com quase 60% de sua área ocupada por florestas, o Brasil se comprometeu, no âmbito do Acordo de Paris, a zerar o desmatamento no País até o ano de 2050. Mesmo que isso seja viável, há um caminho árduo a se percorrer até lá – sobretudo pelo fato de que mais de 70% das derrubadas apresentam indícios de ilegalidade, conforme dados de monitoramento ambiental.

Apenas o Estado de São Paulo teve 132,6 mil hectares de vegetação nativa suprimidos entre 2009 e 2020. Um levantamento realizado por equipe da Universidade Federal de São Carlos revelou que, desse total, 6,5 mil hectares foram desmatados de maneira autorizada, ao passo que 55,3 mil foram alvo de autos de infração ambiental. Isso significa que 53% do desflorestamento no Estado durante o período se deu de forma irregular e sem autação.

Cerca de 80% do território paulista faz parte do bioma Mata Atlântica, protegido desde 2006 pela Lei Federal 11.428 (a “Lei da Mata Atlântica”), que estabelece critérios rigorosos para supressão de vegetação nativa. E é a fiscalização constante que assegura o seu cumprimento.

No entanto, mesmo em São Paulo – a mais rica unidade federativa do País e onde há uma das melhores estruturas de licenciamento ambiental – as derrubadas irregulares continuam acontecendo. Não importa a dimensão: qualquer desmatamento desse tipo é inaceitável.

Desmatamento legal também preocupa

Por outro lado, é também necessário olhar com atenção para o desmatamento aceito pela legislação. Basta mencionar o fato de que ao longo dos 11 anos abrangidos pelo estudo, uma área total de florestas correspondente a mais de 6 mil campos de futebol foi derrubada com sinal-verde das autoridades em São Paulo.

Embora crucial e voltada ao uso sustentável do bioma, a Lei da Mata Atlântica abrange critérios subjetivos que demandam regulamentação por resoluções criadas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Isso torna hoje sua aplicação vulnerável a interpretações inconsistentes, permitindo que áreas de alto valor de conservação sejam legalmente sumprimidas.

Um dos quesitos é o uso da vegetação nativa com base nos estágios sucessionais – as fases de recuperação ou desenvolvimento natural de uma área. A legislação permite a retirada de mata nativa em estágios avançados ou intermediários de sucessão (vegetação primária ou secundária nos estágios avançado ou médio) apenas para situações de interesse social ou utilidade pública (como transporte, saneamento e infraestrutura energética).

Nesses casos, a lei federal exige compensação ambiental. Ou seja: que uma área equivalente de vegetação nativa seja preservada ou restaurada.

Um dos problemas é o desmatamento da vegetação nativa em estágio inicial de sucessão, a primeira fase de recuperação após uma perturbação, dominada por espécies pioneiras de rápido crescimento. A lei federal permite essa supressão para qualquer propósito e sem a necessidade de compensação ambiental, o que, ao facilitar a remoção legal de fragmentos jovens, prejudica os esforços para aumentar a cobertura florestal.

Além disso, critérios subjetivos ou pouco claros para classificar os estágios de regeneração podem levar a erros, permitindo a supressão inadequada de florestas maduras, o que afeta a provisão de serviços ecossistêmicos (como a regulação climática e do ciclo da água) e a perda de uma rara e ameaçada biodiversidade.

Segundo especialistas, é essencial adotar uma nova estrutura de avaliação, mais transparente e cientificamente robusta. Há, ainda, a necessidade de revisar e reforçar parâmetros de classificação, fornecendo diretrizes claras sobre área de amostragem e diâmetros mínimos de árvores.

Há quem proponha um modelo de aplicação da lei que poderá incluir duas etapas: primeiro, uma avaliação estrutural baseada em parâmetros claros e históricos de cobertura florestal; segundo, uma análise da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, além do seu valor na paisagem (por exemplo, se ampliam ou interligam fragmentos importantes).

A inclusão de tecnologias de sensoriamento remoto é outro recurso capaz de melhorar significativamente a precisão e eficácia do monitoramento, permitindo avaliações mais detalhadas e menos suscetíveis a erros humanos. É fundamental, ainda, que as agências ambientais estaduais tenham conhecimento técnico-científico e s ferramentas necessárias para avaliar a situação e validar adequadamente os processos de licenciamento ambiental.

O bioma não pode ser tratado apenas como fonte de recursos a serem explorados, pois é fundamental para assegurar a vida e a economia. Afinal, é na Mata Atlântica que vivem 65% dos brasileiros e se concentra a produção de 76% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

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