Quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 13 de julho de 2024
O Brasil perdeu nas últimas semanas dois de seus maiores montanhistas. A morte de Rodrigo Raineri e Marcelo Delvaux, vítimas de acidentes em montanhas, suscita a discussão de por que algumas pessoas se arriscam em lugares isolados e hostis. Não se trata de aventura temerária, como pensam alguns. Ao contrário, a neurociência mostra que os mesmos mecanismos neuroquímicos que levam algumas pessoas a buscar o novo e a expandir fronteiras estão na essência do que move a Humanidade e a fez conquistar o planeta.
Se não fossem os primeiros humanos com espírito explorador, ainda estaríamos sentados à volta de fogueiras nas savanas africanas, como nossos ancestrais há dezenas de milhares de anos, afirma o neurocientista Ricardo Reis, chefe do Laboratório de Neuroquímica do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Fortes evidências sugerem que a inclinação a tomar riscos está programada no cérebro e ligada aos mecanismos de excitação e prazer. Tal comportamento pode ter garantido nossa sobrevivência como espécie e nosso espalhamento pelo planeta”, disseram em artigo na “Medicine and Sports” os psicólogos Matt T. G. Pain e Matthew A. Pain, ambos da Escola de Ciências do Exercício e do Esporte da Universidade de Loughborough, no Reino Unido.
Montanhistas são a face mais visível desse perfil de comportamento desbravador porque num mundo superpovoado e explorado, as montanhas se tornaram a última fronteira não pisada. Elas são bastiões da terra incógnita, seja nos cumes virgens ou em vias de escalada nunca antes conquistadas.
“O que me motiva não é virtuosismo temerário, mas a busca pelo novo, a curiosidade sobre o desconhecido e a chance de explorar lugares intocados. A combinação da exploração com a escalada me proporciona isso. Aventuras extremas são também autoconhecimento”, afirma André Ilha, o montanhista brasileiro com o maior número de montanhas conquistadas (são 130) e de vias abertas, 950.
Aos 65 anos de idade e escalador há meio século, ele é a personificação do que a neurociência descreve como o perfil do explorador. Ilha acaba de lançar um livro chamado “Rumo ao desconhecido”, em que relata as expedições a 66 das montanhas brasileiras que foi o primeiro a subir, na companhia de diferentes parceiros.
Nada é mais equivocado do que o estereótipo de praticantes de esportes de aventura. Em vez de impulsividade, emotividade e busca cega pelo perigo, psicólogos têm encontrado pessoas que prezam a racionalidade, planejam e se preparam meticulosamente, diz o cientista comportamental Eric Brymer, da Universidade de Southern Cross, na Austrália. É óbvio que o risco existe e fatalidades, como as que acometeram Raineri e a Delvaux, acontecem.
Brymer é o principal autor do estudo “Extreme sports are good for your health: A phenomenological understanding of fear and anxiety in extreme sport” (“Esportes extremos são bons para a sua saúde: Uma compreensão fenomenológica do medo e ansiedade nos esportes extremos”), publicado no periódico Journal of Health Psychology.
Raineri, de 55 anos e três décadas de escalada, morreu quando o parapente em que estava se rasgou após ele escalar o K2 (8.611 metros, a segunda maior montanha da Terra), no Paquistão, e tentar descer voando. Ele foi o primeiro brasileiro a escalar três vezes o Everest (8.848 metros), a mais alta montanha do mundo, e o único a guiar expedições às sete montanhas mais elevadas do planeta.
Já Delvaux, também de 55 anos, escalava há 25 e já havia subido mais de cem montanhas nos Himalaias e nos Andes. Era formado em informática e história, mestre nessa última e um dos únicos guias brasileiros com título superior em montanhismo, o que lhe permitia guiar nos Andes. Ele faleceu no Nevado Coropuna (6.300 metros), no Peru, ao cair numa fenda oculta sob a neve.
“Incerteza e risco estão no cerne da aventura. O risco está presente o tempo todo e, por isso, a habilidade fundamental é a capacidade de julgamento, a tomada de decisão. O planejamento e o preparo logístico, técnico e físico também são essenciais. Mas, claro, o perigo existe e o assumimos”, destaca Ilha, administrador de empresas, que fez carreira como auditor fiscal e foi diretor de órgãos ambientais do estado do Rio de Janeiro.
Por trás do comportamento do tomador de riscos, seja um montanhista extremo ou um investidor do mercado financeiro, está o neurotransmissor dopamina, frisa Reis.
“Curiosidade intensa, busca pelo novo e tomada de risco estão associados à dopamina elevada e modulada por determinados receptores. É uma química complexa que a ciência procura entender”, explica o neurocientista.
A dopamina é um dos mais importantes neurotransmissores cerebrais. Está ligada ao controle dos movimentos; à regulação do prazer e da recompensa; ao humor e a funções cognitivas fundamentais, como memória, aprendizado e resolução de problemas. Ela é fundamental para a tomada de decisão, que ocorre no lugar mais nobre do cérebro, o córtex pré-frontal.
Estudos têm revelado que gente que vive no limite, como exploradores, investidores e praticantes de esportes radicais, possui altas doses de dopamina. Em contrapartida, baixos níveis de desse neurotransmissor estão associados à apatia e à aversão ao risco. E doses desequilibradas são relacionadas a abusos de drogas e álcool.
Para a maioria das pessoas, a dobradinha risco e recompensa funciona como mecanismo de busca por prazer e satisfação, ainda que em pequenas doses. Reis sugere que o sucesso dos bets, das plataformas de apostas, tem a ver com essa busca por recompensa. São pequenas doses de satisfação. As informações são do jornal O Globo.