Sábado, 21 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 24 de maio de 2024
E o sertão não virou mar, mas uma grande comunidade periférica e urbana, com todos os seus algozes e supostos heróis armados. O filme “Grande Sertão”, dirigido por Guel Arraes – que também assina o roteiro com Jorge Furtado –, tem o casal de atores Caio Blat e Luisa Arraes nos papéis de Riobaldo e Diadorim, protagonistas do clássico da literatura brasileira, de autoria de João Guimarães Rosa, publicado em 1956: “Grande Sertão: Veredas”.
A obra já teve diversas adaptações. Em 1985, numa minissérie da TV Globo, Tony Ramos e Bruna Lombardi interpretaram o casal principal. Sua nova versão só chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 6, mas teve pré-estreia na quinta-feira (23), com exibição gratuita no CineCarioca Nova Brasília, dentro do Complexo do Alemão.
“Não poderia ser de outra forma. É um filme feito sobre eles [moradores de comunidade], é o público que a gente almeja”, afirma Caio, continuando: “Festivais de cinema são bacanas, prêmios são ótimos. Guel foi à Estônia receber o de Melhor Diretor, inclusive. Mas a gente quer que esse trabalho alcance seus verdadeiros destinatários, pessoas que vivem essa guerra cotidianamente.”
“Grande Sertão” transpõe o universo da violência dos jagunços do Nordeste para o território das organizações criminosas de uma periferia urbana. Narrador-protagonista, Riobaldo é um professor de História que ingressou no bando criminoso por amor a Diadorim, uma das pessoas mais violentas do grupo.
“É a terceira vez que vivo Riobaldo. Na peça dirigida por Bia Lessa, conheci e me apaixonei por Luisa. Ficamos em cartaz por três anos com lotação esgotada, viajando o Brasil, e depois filmamos ‘O diabo na rua, no meio do redemunho’, que já foi exibido em festivais, mas ainda será lançado em circuito nacional. Depois da pandemia, rodamos esse ‘Grande sertão'”, detalha Caio. “Domingos Oliveira (dramaturgo), meu grande mestre, ensinava: o melhor de tudo é o trabalho; não pode casar e não trabalhar junto.”
Enquanto Riobaldo vive um conflito interno por acreditar estar amando um outro homem (Diadorim tem biotipo andrógeno), o casamento de Caio e Luisa tem sido foco da curiosidade do público que os acompanha, por não se mostrar convencional: trata-se de um relacionamento aberto.
“Eu sou um cara muito reservado na minha intimidade. Mas acho que a monogamia traz muito do patriarcado. Tem uma coisa antiga, de posse. Os homens sempre apareceram traindo e saindo sozinhos, e as mulheres ficavam mais submissas. Agora elas também estão tomando a sua liberdade, se empoderando, buscando uma igualdade de direitos entre os gêneros”, opina. “Quando você entra num casamento, sua identidade própria não acaba. Você tem os seus gostos, seus amigos, pode até sentir atração por outras pessoas. Tudo isso deve ser conversado e entendido, faz parte de um acordo e só fortalece o casal. É o que acontece com a gente.”
O ator diz que tomou como invasão de intimidade a foto de Luisa beijando o cantor Chico Chico na plateia de um show: “É uma falta de respeito com um momento de lazer da pessoa. Eu sabia exatamente onde ela estava, com quem ela estava, faz parte do nosso acordo. Estamos juntos há sete anos e queremos continuar juntos por muito tempo ainda”.
Para Caio, sexualidade e religião alheias são assuntos em que não se palpita. Em “Grande sertão”, Riobaldo faz um pacto com o diabo para tentar entender o mundo e a si mesmo. Já seu intérprete é adepto do budismo e do candomblé.
“Eu sou uma pessoa muito espiritualizada, medito todos os dias. Tive um encontro forte com o budismo quando fui ao Nepal gravar ‘Joia rara’ (2013). E adoro ir ao terreiro receber um banho, um passe. Não tenho receio em falar, mas infelizmente o preconceito religioso está muito forte no Brasil. Isso é muito triste! Pratique a sua religião e a sua sexualidade e não opine nas escolhas dos outros. Mais do que preconceito, isso é crime”, alerta.