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Câncer de pulmão: rastreamento ainda sem protocolo no País pode salvar vidas

Incorporar estratégia no SUS, associada a uma redução de 20% na mortalidade, é sustentável financeiramente. (Foto: Freepik)

Um novo estudo idealizado pelo Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT), pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT) reforça que o rastreamento com tomografia para pacientes de risco de câncer de pulmão pode salvar vidas e é sustentável financeiramente para incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados foram apresentados de forma inédita neste sábado no Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, no Rio de Janeiro.

Hoje, embora muitos países tenham protocolos de exames periódicos para identificar a doença em estágios iniciais – estratégia semelhante àquela feita com a mamografia para câncer de mama e com a colonoscopia para câncer de intestino –, o Brasil não conta com um programa de rastreamento do tipo no SUS, nem diretrizes claras na rede privada.

“O câncer de pulmão é o tipo que mais mata no Brasil hoje. E já temos dados bem robustos no mundo mostrando que fazer o rastreamento reduz a mortalidade, ou seja, aumenta a chance de cura. Só que isso não está disponível, nem no SUS, nem na rede privada, onde é muito pouco feito. O objetivo do estudo foi mostrar se o rastreamento é custo efetivo para incorporação na rede pública”, explica Clarissa Baldotto, presidente do GBOT e uma das autoras do estudo.

No Reino Unido, por exemplo, o Comitê Nacional de Rastreamento recomenda o exame para pessoas de 55 a 74 anos que fumam ou são ex-tabagistas a cada dois anos. A orientação é semelhante à da Força-tarefa de Serviços de Prevenção dos Estados Unidos, que indica a tomografia para indivíduos de 50 a 80 anos com histórico de tabagismo.

Uma série de estudos nos últimos têm confirmado que a estratégia reduz a mortalidade pela doença em cerca de 20%. Isso porque um dos problemas com o câncer de pulmão é que ele pode ser silencioso, por isso aproximadamente 90% dos casos no Brasil são diagnosticados em estágios avançados ou metastáticos, quando o tumor já se espalhou para outros órgãos e tecidos.

Segundo dados do Sistema de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM), 31,1 mil brasileiros morreram pela doença no ano passado. De acordo com informações da pasta, a taxa de sobrevida em cinco anos do paciente após o diagnóstico é de 18%. No entanto, ela sobe para 56% quando a neoplasia é descoberta em estágio inicial.

“A grande maioria dos casos aqui são diagnosticados em um cenário em que não se fala mais em tratamento curativo. Mas quando o caso é descoberto na fase inicial do câncer, há diferentes abordagens de tratamento, como cirurgias, radioterapia, quimioterapia, terapias-alvo direcionadas e imunoterapia, que são mais eficazes, trazendo uma perspectiva maior de cura”, explica Michelle Fabiani França, líder médica da Roche Brasil, farmacêutica que apoiou e participou do novo estudo.

No novo trabalho, os pesquisadores queriam entender o custo-benefício da implementação da tomografia computadorizada de baixa dosagem de radiação a cada dois anos na população de risco no SUS, maior sistema de saúde pública do mundo. Para isso, eles analisaram dados disponíveis em bancos como do DataSUS para estimar qual seria o ganho a partir de uma medida chamada de QALY, que aponta os anos de vida com qualidade a mais ganhos pelos pacientes.

“Estimamos, com base nos benefícios dos outros estudos, qual seria o impacto no Brasil. Observamos um custo de R$ 115 mil, em média, por ano ganho com qualidade ganho por cada paciente. A OMS considera que qualquer tratamento é custo efetivo se ele custar até três vezes do PIB per capita no Brasil. E nossos resultados mostraram que esse valor ficou abaixo disso, ou seja, compensa para a rede pública”, continua a presidente do GBOT. Hoje, o PIB per capita no país é de R$ 47,8 mil, segundo o IBGE.

Os dados foram apresentados neste sábado, e o estudo será publicado em breve numa revista científica. Depois, o objetivo das entidades médicas é apresentá-lo ao Ministério da Saúde. A pasta já se manifestou outras vezes sobre o tema afirmando estudar a implementação do rastreamento no SUS, embora não tenha se aprofundado ou mencionado prazos.

“Estamos atrasados, mas é uma discussão bem atual globalmente. Então estamos em tempo de entrar nela. Os países ainda estão encontrando melhores formas de implementar, é um rastreamento muito novo. Vamos apresentar o estudo para o governo. Temos um diálogo já aberto das sociedades com o governo e com os planos de saúde”, conta Clarissa.

Em relação à rede privada, Clarissa esclarece que os exames já podem ser realizados hoje, porém a falta de diretrizes leva ao desconhecimento por grande parte dos médicos e a dúvidas sobre como solicitar a tomografia. — Apesar de não ter dificuldade de acesso, são outros entraves — resume a presidente do GBOT.

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