O câncer é uma doença complexa e cada caso traz características únicas que influenciam no prognóstico e nas possibilidades de tratamento. No caso dos cânceres comuns em mulheres, como de mama, ovário e endométrio, a individualização do cuidado, baseada em testes genéticos e moleculares, tem sido um divisor de águas na forma como as pacientes são tratadas.
Mas qual a diferença entre esses dois tipos de teste? Segundo a oncologista Bruna Zucchetti, do Grupo Dasa, testes genéticos analisam o DNA herdado e identificam mutações transmitidas de geração em geração, como nos genes BRCA1 e BRCA2, por exemplo. Essas alterações podem indicar predisposição para determinados tipos de câncer e são essenciais para orientar medidas preventivas ou tratamentos personalizados.
Os testes moleculares avaliam alterações no DNA do tumor da paciente e mostram mutações adquiridas durante o desenvolvimento da doença. “Esses testes ajudam a identificar alvos terapêuticos específicos e a escolher medicamentos mais eficazes”, explica a médica.
Câncer de mama
O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres e afeta cerca de uma a cada oito ao longo da vida, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Mas dizer que uma mulher tem câncer de mama é apenas o ponto de partida. Os subtipos – triplo-negativo, HER2 positivo e luminal – são determinantes para a escolha do tratamento.
A oncologista do Grupo Dasa explica que o tratamento varia conforme o subtipo tumoral. “No caso dos tumores triplo-negativos, a quimioterapia associada à imunoterapia é o pilar principal. Já nos tumores HER2 positivos, usamos terapias-alvo, como anticorpos monoclonais e medicamentos que bloqueiam essa proteína na superfície das células tumorais”, diz.
Outro ponto fundamental é a testagem genética. De acordo com a especialista, pacientes com mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 podem se beneficiar com uma classe específica de medicamentos que tentam impedir que as células cancerígenas reparem o DNA tumoral danificado e, assim, aumentam significativamente a resposta ao tratamento. “A testagem genética também impacta familiares, que podem adotar medidas preventivas”, afirma a oncologista.
Câncer de ovário
Embora não seja tão prevalente quanto o de mama, o câncer de ovário é o mais letal entre os ginecológicos, frequentemente diagnosticado em estágios avançados . Para a oncologista clínica Andrea Gadelha, do A.C.Camargo Cancer Center e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA), os testes genéticos são essenciais. “Toda paciente com câncer de ovário epitelial deve ser submetida a testagem genética para identificar mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, pois isso define opções de tratamento e estratégias de prevenção para familiares”, afirma.
O tratamento inclui cirurgia e quimioterapia, mas também conta com avanços como uma classe específica de medicamentos que bloqueia o reparo do DNA, revolucionando o cuidado. “Para pacientes com mutação BRCA, o risco de recidiva cai drasticamente com o uso desses medicamentos”, explica Andrea. Segundo ela, outro marco foi a inclusão de testes moleculares que avaliam a deficiência de recombinação homóloga (HRD), um biomarcador que indica a capacidade de reparo do DNA da paciente e, dessa forma, amplia o acesso a terapias-alvo.
Câncer de endométrio
O câncer de endométrio é o sétimo mais frequente entre as mulheres no Brasil, com 7.800 casos estimados para 2025 pelo Inca . Andreia Melo, oncologista do Grupo Oncoclínicas e chefe da Divisão de Pesquisa Clínica e Desenvolvimento Tecnológico do Inca, destaca a relação entre obesidade, síndrome metabólica e o aumento da incidência da doença. “Com a crescente adoção de dietas ultraprocessadas e sedentarismo, esperamos um aumento significativo de casos”, alerta.
Para identificar pacientes que podem se beneficiar de tratamentos personalizados, os testes moleculares têm ganhado espaço. Uma mutação comumente encontrada no câncer de endométrio é a deficiência em enzimas de reparo de DNA. Nesses casos, a combinação de quimioterapia com imunoterapia tem mostrado resultados impressionantes em tumores avançados. “Hoje, dividimos as pacientes em subgrupos com base em alterações moleculares, o que permite tratamentos mais eficazes. Infelizmente, essas terapias ainda não estão disponíveis no SUS, o que limita o acesso a tratamentos inovadores”, lamenta Andreia.
Prevenção e impacto familiar
A dona de casa Luciana Cavalcante, de 54 anos, que enfrentou simultaneamente cânceres de mama e ovário, reforça a importância da testagem genética. Após ser diagnosticada com uma mutação no gene BRCA2, Luciana incentivou os filhos a realizar o teste. Sua filha testou negativo, mas seu filho apresentou a mesma alteração genética.
Com o resultado, ele passou a adotar medidas de prevenção precoce, como exames regulares, para minimizar riscos futuros. “Saber dessa mutação foi como ter um mapa para agir de forma preventiva. Hoje, meu filho faz exames regulares que talvez só fossem recomendados muito mais tarde. Essa informação é um privilégio”, afirma Luciana. (Estadão Conteúdo)