Sábado, 28 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 25 de junho de 2024
Parte desses recursos é usada pelas legendas para bancar candidaturas inviáveis nas urnas.
Foto: Divulgação/TSEA adoção do financiamento público das campanhas, a ausência de uma regra mais rigorosa para a distribuição interna dos partidos e o prazo curto de análise dos registros pela Justiça Eleitoral possibilitam o desperdício de milhões de reais a cada nova eleição. Parte desses recursos é usada pelas legendas para bancar candidaturas inviáveis nas urnas e que, durante a campanha ou somente após o resultado ser declarado, tiveram a participação vetada na Justiça.
Dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que candidatos considerados inaptos receberam R$ 27,5 milhões dos fundos eleitoral e partidário nas eleições de 2020. O número considera apenas repasses diretos nas contas dos candidatos. Do montante, só R$ 1,4 milhão foi devolvido aos partidos ou redirecionado a outros concorrentes, o que permite estimar que essas campanhas inócuas consumiram efetivamente algo em torno de R$ 26 milhões somente naquele ano.
O prejuízo aos cofres públicos deve ser ainda maior nas eleições de 2024, na medida em que o fundo eleitoral atinge a cifra de R$ 4,9 bilhões, mais do que o dobro dos R$ 2 bilhões liberados há quatro anos. Com mais dinheiro em caixa, aumentam as chances de um valor maior de recursos parar na conta de candidatos indeferidos, cassados e que abandonam a campanha no meio do caminho.
A maior parte dos recursos contabilizados se refere a políticos que foram impedidos de concorrer no momento da análise dos registros de candidatura pela Justiça Eleitoral. Os processos costumam levar tempo e os candidatos podem adentrar o período de campanha até uma sentença definitiva do TSE eliminá-los da disputa. Nesse meio tempo, nada impede que eles recebam e gastem dinheiro público para pedir votos.
O caso mais extremo ocorreu em Coari, município de 70 mil habitantes do Estado do Amazonas. Adail Filho, concorrendo pelo Progressistas, gastou R$ 690 mil na sua tentativa de reeleição na cidade. Foram R$ 352 mil apenas com material gráfico de campanha, como adesivos e “santinhos”, além de R$ 175 mil para colocar militantes na rua e distribuir os panfletos, segundo a prestação de contas.
Adail recebeu pouco mais de 22 mil votos (59%). Nos primeiros dias de dezembro daquele ano, porém, o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) decidiu, por unanimidade, indeferir o seu registro, anulando o resultado. O motivo era que seu pai, Adail Pinheiro, eleito em 2012, teve o mandato cassado dois anos depois pela Lei da Ficha Limpa. Como Adail Filho governou a prefeitura entre 2016 e 2020, a Justiça entendeu que o mesmo núcleo familiar assumiria um terceiro mandato consecutivo em Coari, o que é vedado pela legislação.
Por conta da quantidade de votos anulados, a eleição em Coari precisou ser refeita no ano seguinte. O pleito foi vencido por Keitton Pinheiro, primo de Adail que era seu vice na chapa de 2020. Já o gasto de políticos que desistiram de concorrer antes da votação chegou a R$ 4 milhões. Especialistas explicam que esse número possivelmente está inflado por candidaturas que tiveram um primeiro revés na Justiça e preferiram abrir mão da disputa para que o partido indicasse um substituto no prazo de até 20 dias antes do primeiro turno.
Foi o que ocorreu com Dona Cida, candidata a prefeita pelo antigo PROS em Planaltina, cidade de 105 mil habitantes no interior de Goiás. Ela foi a recordista de gastos do fundo eleitoral na modalidade. Na época, ela havia assumido o governo na condição de vice-prefeita. Dona Cida é mãe do fundador e então presidente da sigla, Eurípedes Júnior, que passou a presidir o diretório nacional do Solidariedade após a incorporação do PROS. Atualmente, ele está licenciado do partido e se entregou à Polícia Federal após ser alvo em uma operação por suspeita de desvio de R$ 36 milhões do fundo partidário.
Antes da renúncia, Dona Cida aplicou R$ 402 mil de fundo eleitoral, incluindo R$ 50 mil no aluguel de um trio elétrico, R$ 67 mil para produzir e distribuir propaganda na rua e R$ 190 mil com assessor de imprensa, gerenciamento de redes sociais e serviços de advocacia e contabilidade.
A Advocacia-Geral da União (AGU) tem optado por pedir ressarcimento a alguns candidatos específicos que foram eleitos mediante compra de voto e outras situações mais graves e, dessa forma, obrigaram o governo a bancar eleições suplementares. Somente nos últimos quatro anos, foram realizadas 119 eleições do tipo em todo o Brasil. Estima-se que a maior parte se deve a ilícitos de campanha.
Em fevereiro deste ano, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou dois ex-prefeitos a cobrirem as despesas em pleitos realizados em Bom Jesus, em 2018, e Parobé, em 2020, ambos no interior do Rio Grande do Sul. Ainda não há, porém, validação da tese no Superior Tribunal de Justiça (STJ).