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Candidatos gastaram neste ano seis vezes mais com cabos eleitorais e “santinhos” do que com mídias sociais

Material foi consolidado com base nas informações de candidaturas disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e nos mandados de prisão registrados no Banco Nacional de Mandados de Prisão. (Foto: Divulgação)

No Congresso, há um antigo ditado segundo o qual a campanha eleitoral consiste em “três esses”: santinho, saliva e sola de sapato. A julgar pelos gastos apresentados pelos candidatos à Justiça Eleitoral, a máxima continua válida: os materiais impressos são o tipo de despesa que mais consumiu verbas das campanhas, acompanhados pelos cabos eleitorais – pessoas que ficam nas ruas agitando bandeiras dos postulantes, ou distribuindo panfletos com as propostas.

Juntos, esses dois custos das campanhas somam R$ 1,54 bilhão. O montante é mais do que seis vezes o total contratado pelos candidatos para impulsionar conteúdo em redes sociais, como o Instagram, o Facebook e o YouTube (R$ 257 milhões).

Mau uso de verbas

Além da campanha tradicional, as Eleições de 2022 repetem o mesmo roteiro dos últimos anos de mau uso das verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o chamado Fundão Eleitoral. Há, por exemplo, dezenas de candidatos que gastaram todo o dinheiro apenas com a contratação direta de cabos eleitorais; dezenas de cabos eleitorais com rendimentos acima de R$ 50 mil; e empresas prestando serviços sem relação com suas funções.

É o caso de um candidato a deputado federal do MDB do Amapá, que pagou R$ 80 mil a uma empresa de dedetização para que fizesse a identidade visual de sua campanha. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a partir de declarações preenchidas pelos próprios candidatos. É provável que o gasto com cabos eleitorais seja maior que o tabulado pelo tribunal, pois muitas campanhas incluíram parte dos pagamentos aos militantes de rua em outras categorias – como a de “despesas com pessoal”, que inclui também profissionais como fotógrafos, cinegrafistas e outros.

Depois dos materiais impressos e dos gastos com pessoal e serviços de terceiros, vêm as categorias de “atividades de militância e mobilização de rua”, com R$ 536 milhões contratados; produção de programas de rádio e TV (R$ 445,2 milhões); adesivos (como os usados em carros – R$ 365 milhões); advogados (R$ 256,9 milhões). A locação de veículos fecha a lista, com ao menos R$ 172,6 milhões.

Executivos

A rubrica inclui pelo menos R$ 24,2 milhões gastos com jatinhos – os maiores dispêndios foram do governador de São Paulo Rodrigo Garcia (PSDB), com R$ 2,3 milhões; e dos presidenciáveis Ciro Gomes (PDT), de R$ 2, 04 milhões; Soraya Thronicke (R$ 1,7 milhão) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também de R$ 1,7 milhão. O atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), usa voos da Força Aérea Brasileira (FAB) e não precisou contratar táxi aéreo para a campanha.

A cientista política especialista em comunicação Deysi Cioccari diz que o Brasil ainda é um país que se informa por meios tradicionais. “A gente tem essa mania de perceber o Brasil como se fosse só a Avenida Paulista. Nos esquecemos daquilo que chamam de ‘Brasil Profundo’. O sertão, os pampas, o interior do Centro Oeste. Esse pessoal não olha Twitter, não olha o Facebook. A informação deles é muito pelo rádio, pela televisão, pelo contato cara a cara”, diz ela.

“Isso explica um pouco essa persistência da campanha analógica. Tenho amigos que trabalham com assessoria de imprensa (para políticos) em Brasília. E eles lidam o tempo todo com rádio, com TVs locais, etc. O Brasil literalmente não é só as capitais. É um Brasil onde a conversa ainda é no bairro, na porta de casa, no mercado. Dentro do que eu estudo, esses números fazem sentido”, diz a analista.

Maiores gastos

Eleger-se para a Câmara dos Deputados não foi barato em 2022: em média, os 513 candidatos bem sucedidos gastaram R$ 1,209 milhão cada, sendo que a 442 candidatos declararam ter contratado despesas acima deste valor. No “top 5″ das maiores despesas declaradas até agora na disputa pela Câmara, apenas um postulante não se elegeu.

A lista de maiores despesas declaradas é encabeçada pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), com R$ 3,28 milhões; o ex-ministro da Educação Mendonça Filho (União-PE), com R$ 3,2 milhões; o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que declara despesas de R$ 3,1 milhões; e Alice Portugal (PCdoB-BA), com gastos de R$ 3,08 milhões. Todos foram eleitos.

O quinto lugar pertence ao candidato não eleito com os maiores gastos: o deputado estadual e empresário Braulio Braz, do PTB de Minas Gerais. Com despesas calculadas em pouco mais de R$ 3 milhões, Braz usou dinheiro do Fundo Eleitoral repassado por sua legenda e aportou cerca de R$ 300 mil do próprio bolso. Teve 68,6 mil votos – mais que alguns candidatos que conseguiram a vaga, como o ex-ministro do Turismo de Bolsonaro Marcelo Álvaro Antônio, do PL (31 mil votos).

Abaixo do mineiro na lista de gastos está Daniela Maia, filha do ex-prefeito do Rio César Maia e irmã do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Com despesas de R$ 3,02 milhões, ela teve pouco menos de 22 mil votos – ou R$ 137,9 por sufrágio. Os deputados federais são o cargo com o maior gasto: são 1,8 bilhão em despesas contratadas, de acordo com os registros recebidos pelo TSE – o valor é mais que o dobro da segunda disputa que mais consumiu recursos, a dos deputados estaduais, com despesas contratadas de R$ 913,2 milhões. Em seguida vêm os cargos de governador (R$ 579,4 milhões), senador (238,4 milhões), presidente (182,8 milhões) e deputado distrital (R$ 24,6 milhões) – cargo equivalente a deputado estadual no Distrito Federal.

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