Sexta-feira, 24 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de setembro de 2021
A caótica retirada do Afeganistão está reacendendo um debate de décadas na União Europeia sobre se o clube de 27 nações precisa de suas próprias forças armadas. O assunto é controverso e a geopolítica, delicada. Especialistas dizem que a perspectiva de lançar uma UE independente e autônoma em termos militares, no futuro próximo, não é realista.
Mas o clamor, que diminuiu um pouco após a eleição de Joe Biden, voltou a se intensificar depois que o presidente rejeitou os apelos para manter as tropas no Afeganistão após o prazo de 31 de agosto.
Os líderes europeus dizem que não lhes restou escolha a não ser antecipar suas retiradas, deixando para trás milhares de seus cidadãos e aliados afegãos. O chefe da política externa da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que uma proposta de força conjunta de rápida mobilização com 5 mil soldados poderia ter ajudado a proteger o aeroporto de Cabul.
Outros líderes defenderam “autonomia estratégica”, uma expressão corrente na UE que se refere à necessidade de o bloco se tornar mais autossuficiente em uma série de questões, especialmente segurança. O presidente francês, Emmanuel Macron, é um dos maiores impulsionadores do conceito e vem defendendo a ideia de um “verdadeiro exército europeu” desde que assumiu o cargo – ao mesmo tempo em que diz que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sofreu morte cerebral.
Algumas nações, especialmente os Estados bálticos, continuam cautelosos em duplicar os esforços da Otan e dificilmente apoiarão uma nova força conjunta. A chanceler alemã, Angela Merkel, que já endossou a sugestão de Macron para um exército europeu, tem sido uma forte defensora da Otan, bem como das bases militares dos EUA em seu país. Mas Armin Laschet, que está concorrendo para sucedê-la, disse que a Europa deve ser fortalecida para que nunca tenha de deixar tudo para os americanos.
Fantasia ou piada
O debate renovado entre os líderes europeus também reflete uma crescente frustração com Biden, que disse ao mundo “a América estava de volta”, mas tem seguido políticas externas que ecoam algumas das posições de seu antecessor.
Mas apesar da vigorosa retórica recente, a ideia de um exército europeu continua sendo uma fantasia em alguns cantos do continente e, em outros, uma piada. Os analistas dizem que existem, no mínimo, obstáculos significativos.
Nathalie Tocci, que defendeu a inclusão da autonomia estratégica em um documento de 2016 que estabelece a doutrina de defesa da União Europeia, disse que não existe mais a vontade política para criar e implantar tal força. “Não estamos preparados para ver os sacos para cadáveres voltando para casa, e o Afeganistão não vai mudar isso”, disse Tocci, diretora do Istituto Afari Internazionali, um centro de estudos de assuntos globais.
Um dos grandes obstáculos para uma força combinada – ou mesmo para uma estratégia de segurança coordenada – é a exigência de que os Estados-membros tomem decisões de política externa por unanimidade, disse Azeem Ibrahim, diretor do Newlines Institute for Strategy and Policy. A regra da unanimidade há muito vem paralisando o processo de tomada de decisão do bloco. “A política externa europeia é completamente disfuncional”, disse Ibrahim.
Outra questão espinhosa é sobre quem pagaria por ela. A União Europeia reservou mais de US $ 9 bilhões para o Fundo de Defesa Europeu até 2027, mas especialistas dizem que cada país também precisaria aumentar seus próprios gastos. Isto pode ser um desafio, considerando que apenas nove países europeus estão prestes a gastar pelo menos 2% de seu Produto Interno Bruto em defesa este ano, em cumprimento a um acordo da Otan.