Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024
Por Edson Bündchen | 2 de fevereiro de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Estima-se, hoje, segundo o Institute of Internacional Finance (IIF) em mais de U$ 300 trilhões o endividamento global de governos, famílias e empresas. Essa cifra é quase quatro vezes o PIB global e equivale a um endividamento de U$ 37.500,00 por pessoa no planeta. Isoladamente, esse número estratosférico pouco pode impressioná-lo, mas começa a fazer intrigante sentido quando se sabe, mesmo ponderando o crescimento dos PIBs nacionais, ser esse um patamar percentualmente inédito de alavancagem financeira na história do capitalismo. Nunca, tantos deveram tanto e de forma tão agressiva quanto agora. Ao se acrescentar à análise dimensões além da macroeconomia, como por exemplo, as implicações geopolíticas que o fenômeno do endividamento excessivo pode suscitar, o quadro passa a trazer mais inquietação. Mesmo que a situação atual não seja irreversivelmente apocalíptica, dado que o engenho humano é por demais sagaz, não custa lembrar, a título de alerta, a sabedoria premonitória de Peter Drucker, para quem a falta de vigor econômico isola as pessoas e às torna destrutivas, uma vez que a ausência de oportunidades de trabalho resulta na vida social não mais regida pelo razoável, mas por forças cegas e irracionais. Entretanto, caso você queira ignorar algo aparentemente distante, como são os dados globais do crédito, a realidade brasileira pode não lhe trazer mais tranquilidade, conforme denotam alguns números da economia nacional.
Dados recentes da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), informam que 77.90% das famílias brasileiras declararam ter dívidas, sete pontos percentuais acima do verificado em 2021. Os principais vilões são o cartão de crédito, os carnês e o financiamento de veículos. Os dados do Bacen são ainda mais alarmantes. As taxas médias do rotativo do cartão de crédito saltaram de 328% a.a., para inacreditáveis 392% em novembro de 2022. Já o saldo no rotativo do cartão de crédito teve um salto espetacular de R$ 35 bilhões, em dez/2020, para mais de R$ 83 bilhões, ao final de 2022. A inadimplência no rotativo dos cartões também teve um crescimento preocupante, saindo de 32% em dez/2020, para mais de 44% em nov/2022. Não é difícil projetar que essas taxas de juros atualmente praticadas pelo sistema financeiro são insustentáveis, embora possuam sua própria lógica, bastante impactadas pela taxa básica de juros do Banco Central (Selic), atualmente no patamar de 13.75% a.a. Aliás, nesse quesito, o Brasil desponta como o País com a maior taxa de juro real do mundo, descontada a inflação, de acordo com o levantamento da Infinity Asset Management, que inclui 156 países. Continuamos, apesar de nossos conhecidos e indecentes níveis de pobreza e desigualdade social, sendo um paraíso do rentismo, o que se dá, para a contrariedade de muitos críticos dessa política do Bacen, muito mais por fatores conjunturais externos e estrutura da nossa dívida interna (hoje perigosamente próxima dos 80% do PIB), do que propriamente por alguma perversidade dos dirigentes da autoridade monetária.
Ninguém sabe exatamente o que vai derivar da atual situação de ultra alavancagem do crédito e do endividamento, mas o fato é que o moderno capitalismo está sendo testado em seus limites de confiança. A inflação, sabidamente o pior imposto que existe por seu impacto na base da pirâmide social, vem sendo parcialmente domada por algumas doses extras de juros pelos bancos centrais, o que agrava estruturalmente o problema do aumento da dívida a traz a reboque os países periféricos, entre eles o Brasil. Em muitas crises, o dinheiro virou pó, levando pânico, mudanças geopolíticas e impactos sociais profundos. O momento requer escolhas difíceis, uma vez que impor austeridade implica corte de gastos, o que pode ser uma missão particularmente indigesta para o novo governo federal, sabidamente voluntarista no gasto público. Entretanto, entre um possível colapso fiscal que se avizinha ou a revisão de alguns dogmas ideológicos, melhor torcer para a prevalência do bom senso.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.