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Por Redação O Sul | 19 de setembro de 2022
Ao forjar alianças com grupos locais, grupos mexicanos ganham em invisibilidade e velocidade
Foto: ReproduçãoOs cartéis de drogas mexicanos estenderam suas redes na América Latina. Mas, em vez de ter células em outros países, optaram por uma estratégia mais prática: forjar alianças com grupos locais. Desta forma, eles ganham em invisibilidade e velocidade.
Em alguns casos, como na Colômbia e na Venezuela, essas alianças são mais arraigadas, o negócio mais delimitado e atinge inclusive o aparato de segurança e de governo. Na Colômbia, os grupos com os quais os cartéis estão vinculados têm nome e sobrenome: desde os dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ao Clã do Golfo, passando pelos guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN). Em solo venezuelano, estão ligados ao chamado Cartel de los Soles.
Cartel de Sinaloa
O Cartel de Sinaloa é, sem dúvida, o mais poderoso e com mais vínculos da região, seguido de perto pelo Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG). As autoridades mexicanas alertam que são as duas organizações criminosas mais importantes do país, de caráter transnacional e cujas redes se estendem não só à América Central e do Sul, mas também à Europa e ao interior dos EUA, destino final da maior parte da droga que vem da América Latina.
Para os cartéis mexicanos, essas alianças são fundamentais e lhes permitiram manter a liderança no negócio e continuar inundando o mercado americano, apesar das medidas de segurança nas fronteiras com os EUA terem sido reforçadas desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
O especialista em segurança Ricardo Márquez Blas explica que o fortalecimento dos grupos Sinaloa e Jalisco Nova Geração foi paralelo ao seu avanço na região:
— São notáveis sua presença e avanço na Colômbia, Equador e na região centro-americana, onde controlam o narcotráfico por terra, mar e ar, em alianças com organizações locais — disse.
Colômbia
Na Colômbia, o maior produtor de cocaína do mundo, com uma produção anual estimada em 1.180 toneladas de cocaína, as plantações de folha de coca estão concentradas em cinco departamentos: Norte de Santander, Nariño, Putumayo, Cauca e Antioquia. São nessas regiões que se concentram o Clã do Golfo, os dissidentes das Farc e do ELN, além de alguns pequenas quadrilhas de narcotraficantes.
Os grupos locais compram a pasta base da cocaína dos camponeses, beneficiam a droga e a vendem aos emissários dos cartéis mexicanos.
Autoridades locais apontam que não há presença constante de membros dos cartéis mexicanos: seus emissários são vistos de tempos em tempos, e viajam por curtos períodos para as áreas de cultivo de coca para verificar a quantidade de droga acordada e sua qualidade. Segundo a polícia, 75% da cocaína produzida na Colômbia é vendida para cartéis mexicanos.
— Há muito pouca evidência na Colômbia da presença de chefões mexicanos: eles enviam emissários. Prova disso é que não houve prisões por parte das autoridades. [Os mexicanos] são compradores, porque a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo, então eles vão para as áreas de cultivo de coca — diz Jorge Restrepo, diretor do Centro de Recursos para Análise de Conflitos (Cerac).
Venezuela
No caso da Venezuela, a InSightCrime, centro de pesquisa sobre crime organizado na América Latina e no Caribe, documentou em 2020 a presença do Cartel de Sinaloa no estado de Zulia. Segundo a organização, a presença de narcotraficantes mexicanos cresceu a tal ponto que “há uma cidade no estado que foi renomeada para Sinaloa”.
Relação com o chavismo
Fazendeiros, produtores e moradores presenciam a chegada dos mexicanos, que costumam passar alguns dias por ali. Tal como na Colômbia, são vistos em “caminhonetes luxuosas de última geração, festas com músicas típicas, conhecidas como narcocorridos, prostituição e outra série de excentricidades que mudaram o dia a dia desta zona”.
Em um relatório de 2021, a ONU disse ter evidências de que o Cartel de Sinaloa tem forte presença em Zulia, “onde aproveitou as pistas de pouso clandestinas para a construção de centros de trânsito e armazenamento de drogas, com o apoio do Exército de Libertação Nacional (ELN) da Colômbia, que expandiu suas atividades para a Venezuela”.
A maioria das pistas clandestinas utilizadas pelos cartéis mexicanos está localizada nesse estado, que faz fronteira com a região colombiana de Catacumbo.
Mike Vigil, ex-diretor de Operações Internacionais da DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos, destaca outro aspecto da atuação dos cartéis mexicanos na Venezuela: a aliança com a rede conhecida como Cartel de los Soles, vinculada ao chavismo e que atua de forma cada vez mais ativa, controlando, segundo Vigil, “a circulação da cocaína por meio de seus parceiros mexicanos”.
Lições de violência
A presença dos cartéis mexicanos em El Salvador é ainda mais diversificada: segundo informações da DEA, estão presentes no país desde 2012 grupos como o Cartel de Sinaloa, Cartel do Golfo, a Família Michoacana, Los Zetas e o CJNG. Ali, os traficantes mexicanos se aliaram aos chefes históricos da Mara Salvatrucha (MS-13), que apesar de presos, controlam suas bases, espalhadas em células por todo o país.
De acordo com uma acusação nos Estados Unidos contra 14 chefes históricos do MS-13, eles estabeleceram contato com os cartéis mexicanos para “obter entorpecentes e armas de fogo”, bem como para fazer negócios relacionados ao “tráfico e contrabando de pessoas”.
As investigações da DEA indicam ainda que foi a Mara Salvatrucha que na época treinou o Cartel do Los Zetas e os irmãos Beltrán Leyva para exercer violência extrema.
Argentina
Na Argentina, foram detectadas células dos cartéis mexicanos operando no Norte do país, perto da fronteira com a Bolívia, que é um dos maiores fornecedores regionais de cocaína, junto com Peru e Colômbia.
Para operar, os mexicanos formam alianças com grupos locais, que trabalham em células, para garantir o mercado de cocaína e o incipiente mercado de heroína. Além do narcotráfico, também se dedicam à lavagem de dinheiro, com investimentos em diversos setores, principalmente no mercado imobiliário.
No Brasil: aliança com o PCC
Os cartéis mexicanos também se infiltraram no Brasil, onde investigações da Polícia Federal e da Polícia Civil de São Paulo detectaram a presença de traficantes de drogas dos cartéis CJNG, Sinaloa e Juárez. As investigações revelam que, nos últimos 10 anos, os narcotraficantes têm atuado por meio de acordos com o Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa não só do Brasil, mas da América do Sul, que por sua vez mantém alianças com grupos de outros países, como a Banda de los Monos, na Argentina.
Embora existam poucas evidências sobre os acordos entre o PCC e os cartéis mexicanos, em 2019 o Ministério Público denunciou Decinho, um dos chefes do PCC em São Paulo, e na época apontou que o Cartel de Sinaloa era um “fornecedor de drogas” em larga escala para o PCC, abastecendo “tanto o mercado interno como exportando drogas para a Europa.”
Com base nas investigações, também foi revelado o crescente papel do Brasil como plataforma de embarque de drogas dos cartéis mexicanos para a Europa. Um desses casos foi o que levou à prisão, em 2016, de quatro mexicanos, acusados de pertencer ao CJNG e que pretendiam enviar um carregamento de 90 quilos de cocaína para o continente europeu.