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Cartilha distribuída em outubro aos funcionários dos correios define que fazer uma “proposta sensual” a uma colega não é assédio se feita “sem insistência”

O texto classifica “comentários de duplo sentido” e “olhares sedutores” como “condutas inconvenientes”, e não assédio. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Uma cartilha distribuída para os funcionários dos Correios trata “conduta inconveniente” com “comentários de duplo sentido” e “olhares sedutores” como atos que não podem ser classificados como assédio sexual. Da mesma forma, uma “proposta sexual” também não caracteriza assédio, desde que seja “feita sem insistência”, define o texto.

As orientações estão no material institucional “Prevenção e enfrentamento à violência no trabalho”, que foi disponibilizado para os trabalhadores dos Correios por meio da rede interna da empresa. O documento é de outubro de 2022, mas só veio à tona agora, sob a gestão do presidente interino Heglehyschynton Marçal. A cartilha foi retirada do ar pela empresa, que informou ter elaborado o texto na gestão anterior e que “tomou como base bibliografias externas”. “A estatal está revisitando as fontes consultadas para avaliar a necessidade de adequações”, informaram os Correios, em nota.

“Olhares sedutores”

A cartilha argumenta que a “conduta inconveniente numa festa de trabalho, na qual um colega ou chefe, após algumas doses a mais, faz comentários de duplo sentido e lança olhares sedutores” não configura assédio sexual “salvo se houver alguma ameaça concreta”. Mesmo nessa hipótese, o texto condiciona o assédio à circunstância de essa “ameaça concreta” ser “posta em prática mais tarde”.

O texto também menciona como situações isentas de serem enquadradas como assédio sexual “flerte ou paquera”, “meros galanteios” e “proposta sexual feita sem insistência e sem ameaça ou pressão.”

O material incomodou parte dos funcionários dos Correios. O sindicato dos trabalhadores da empresa no Rio Grande do Sul exigiu a responsabilização dos autores do conteúdo. Para a entidade, o documento “reforça a naturalização social de comportamentos machistas” e, na prática, ensina um passo apas sode como descaracterizara violência ao assediar colegas sexualmente.

“O material é uma agressão a todas mulheres e homens que lutam diariamente contra a violência e o assédio, contra todas as vítimas que já sofreram e sofrem com o descrédito social em busca de justiça”, diz nota divulgada pelo sindicato.

Sócio e presidente da consultoria Mesa Corporate Governance, especializada em governança corporativa, Luiz Marcatti afirma que, especialmente no caso de assédio sexual, os códigos de conduta devem ser “rígidos e não podem deixar margem para interpretações”, como foi o caso dos Correios.

“Está permissivo do jeito que foi escrito. Dá margem para interpretação, o que torna o ambiente da empresa inseguro e a expõe a riscos, inclusive, jurídicos e de reputação”, afirma. “Com um código escrito assim, que funcionária vai se sentir segura para denunciar uma situação de assédio para a ouvidoria ou outro canal interno?”.

Sem decisão de Lula

Heglehyschynton Marçal foi nomeado para a diretoria dos Correios durante o governo de Jair Bolsonaro e ascendeu à posição de presidente interino da empresa ao fim do mandato do ex-presidente. Ainda não está definido quem assumirá a estatal no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

No ano passado, o então presidente da Caixa, Pedro Guimarães, foi acusado de assédio sexual e moral a partir de relatos de funcionárias do banco estatal. O executivo, que era muito próximo de Bolsonaro, renunciou ao cargo após a série de denúncias. Investigação da corregedoria da Caixa reuniu mais de 50 depoimentos e concluiu que há fortes indícios de assédio moral e sexual.

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