Após meses sem aparecer em público, Kate Middleton anunciou que está tratando um câncer. Publicado em 22 de março, o vídeo em que a princesa de Gales abria o jogo sobre sua doença gerou uma onda de solidariedade pelo mundo, mas também um efeito inesperado nas redes. Em vez de pôr fim às loucas teorias da conspiração inspiradas por seu sumiço e agravadas pela manipulação da foto de Kate e seus filhos divulgada no dia 10 de março, como a de que ela teria morrido e sido substituída por uma sósia, o esclarecimento trouxe novos – e ainda mais estranhos – rumores.
Não demorou para que influencers e produtores de conteúdo afirmassem que o depoimento de Kate era um deep fake, nome pelo qual são conhecidos vídeos fraudulentos criados por inteligência artificial. Paralelamente, internautas seguem espalhando alegações infundadas sobre a saúde da princesa.
“Teorias da conspiração funcionam cada vez mais como jogos ‘divertidos’ em que todos nós nos engajamos”, diz o pesquisador Paolo Demuru, doutor em Semiótica pela Universidade de Bolonha, na Itália, e professor de Comunicação e Cultura Midiática da USP. “É uma eterna busca do indício, que não pode parar nunca. Quando alguma coisa se resolve, sempre surge uma nova questão. Por isso que, para capturar melhor a força imaginativa do conspiracionismo, com todos os seus rituais e performances, muitos estudiosos estão preferindo usar a expressão ‘fantasia de conspiração’.”
O gosto pelo conspiracionismo, é claro, não começou agora. Todo mundo lembra das muitas versões sobre o assassinato de John Kennedy, ou daquele famoso texto de um jornalista inglês contando a “verdade” sobre a final da Copa da França em 1998.
Para especialistas, o caso da princesa segue a mesma lógica de tantos outros do passado. Mas, em muitos aspectos, também seria um reflexo das incertezas e inseguranças do mundo contemporâneo. Reúne desafios bem atuais como a crise da autoridade (em que discursos oficiais e a palavra de especialistas perdem força) e as confusões causadas pelo surgimento de ferramentas tecnológicas cada vez mais complexas.
“A difusão em larga escala da teoria conspiratória é um fenômeno do nosso tempo e foi viabilizada em grande parte pela tecnologia”, afirma o jornalista Álvaro Borba, coautor (com a professora Ana Lesnovski) do livro “Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota”, que desvenda algumas das principais teorias conspiratórias da atualidade (a dupla também é criadora do canal Meteoro, no YouTube).
Vale lembrar que o sumiço de Kate não mobilizou apenas grupos radicais, que usam chapéu de alumínio e acreditam na Terra plana. Conspiracionistas de primeira viagem também se deixaram seduzir pelos mistérios da princesa, alguns levando o assunto a sério, outros como piada. Mesmo quando parecem apenas uma fonte de diversão nas redes sociais, porém, as conspirações podem esconder um lado sombrio.
Assim como o caso Kate, diversas fantasias parecem inofensivas, como a de que Avril Lavigne não envelhece porque teria sido substituída por uma sósia, a de que as Kardashians não são irmãs, ou a de que Celso Portiolli estaria ligado aos ataques do 11 de Setembro. Mas elas de certa forma ajudam as pessoas a se acostumarem com realidades alternativas, desprovidas de fatos. Depois, quando realmente confrontadas com eventos raros e inverossímeis, como a queda da ponte de Baltimore após a colisão com um barco na semana passada, a primeira reação das pessoas pode ser procurar explicações baseadas em complôs.
“Há um fator lúdico do conspiracionismo que, até há pouco, os estudiosos não tinham explorado tanto”, diz Suely Fragoso, professora titular-livre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em estudos de mídias. “Lá no fundo, até a pessoa mais racional sabe que conspirações são muito divertidas. Eu vou ver um post maluco de um cara que ficou analisando o formato do dedo da princesa, ou de outro que analisou cada detalhe do Photoshop mal feito da última foto oficial dela. Mesmo que não esteja levando a sério, estou me acostumando a esse tipo de pensamento, normalizando ele, o que não deixa de ser algo conspiratório também.”
No caso da declaração em vídeo de Kate Middleton, houve quem jurasse que “programas de detecção” poderiam comprovar a suposta farsa. “Com as ferramentas de inteligência artificial que estão se espalhando, ficou cada vez mais difícil distinguir a verdade da mentira”, diz Suely Fragoso. As informações são do jornal O Globo.