O caso dos seis transplantados que receberam órgãos infectados pelo HIV no Rio de Janeiro é o primeiro do tipo no País, relata a infectologista e coordenadora da Comissão de Infecção em Transplante da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Lígia Câmera Pierrotti.
Segundo a especialista, a detecção precoce do vírus e de outras infecções em doadores é eficaz devido aos avanços nos testes de triagem de todo o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que permitem a identificação de diversas infecções em estágios iniciais da doação.
O Sistema Nacional de Transplante tem critérios rigorosos para o rastreio de doadores de órgãos, que seguem portarias estabelecidas em conjunto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Todos os órgãos doadores devem passar por testes de sorologia para HIV, hepatite B, hepatite C, HTLV e outras infecções. Além disso, o rastreio leva em conta o contexto geográfico. Por exemplo, a doença de Chagas é investigada na América Latina, mas não na Europa ou nos Estados Unidos. Já os testes para HIV, hepatite B e hepatite C são obrigatórios, e no Brasil, não se aceita um doador HIV positivo para transplante.
“E os mesmos testes são realizados para o receptor”, acrescenta Pierrotti.
Procedimento
A triagem laboratorial consiste em examinar amostras de sangue de potenciais doadores para identificar infecções, como HIV e hepatites B e C. Os exames ajudam a excluir doações que poderiam comprometer a saúde dos pacientes que esperam por transplantes. Além dos testes, são feitas entrevistas com doadores ou suas famílias e exames físicos para verificar possíveis problemas que impeçam a doação.
O Ministério da Saúde define critérios técnicos mínimos para essa triagem, buscando proteger os receptores dos transplantes. A principal regulamentação relacionada ao tema é a Portaria nº 2.600, de 21 de outubro de 2009, que aprovou o regulamento técnico para o funcionamento de bancos de tecidos humanos e estabelece critérios para a triagem de doadores.
Além das infecções, também é feita uma avaliação em relação a condições neoplásicas, que são tipos de câncer. Se o doador tiver um histórico recente ou ativo de câncer, os órgãos não são utilizados. Porém, existem exceções, como alguns tipos de câncer de pele, que têm um baixo risco de transmissão.
Por isso, os testes laboratoriais são fundamentais nessa triagem. Isso inclui exames de sangue e outros testes que ajudam a identificar possíveis problemas de saúde.
Quando um doador apresenta uma infecção bacteriana, por exemplo, a doação pode ser aceita, desde que ele esteja recebendo tratamento adequado com antibióticos por pelo menos 48 horas. Agora, após o transplante, o receptor deve continuar a receber antibióticos por pelo menos sete dias.
Sorologia
De forma geral, as sorologias são realizadas em grandes centros de transplante, onde se busca garantir a segurança tanto dos doadores quanto dos receptores de órgãos.
Em alguns países, há recomendações específicas sobre como lidar com a rastreabilidade dos doadores. Em certas situações, não se recomenda rastrear todos os casos para evitar complicações. No entanto, quando surgem eventos adversos nos receptores, como infecções, a chamada vigilância retroativa é prevista e necessária.
Por isso, nesses casos, é fundamental investigar o doador para identificar possíveis fontes de infecção.
Resultados forjados
Segundo médicos infectologistas, o risco de infecção como resultado de um transplante de órgão é baixo. Isso porque o processo de rastreamento infeccioso é extremamente criterioso no Brasil, abrangendo não só o HIV, mas também hepatites, além de doenças bacterianas e virais.
No SUS, o sistema de transplantes é um dos que funciona com excelência. “O teste de HIV é muito sensível e o risco de um teste falso negativo é muito pequeno. A transmissão do HIV, em transplante de órgao, é completamente inesperada e evitável”, diz Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
No caso do Rio de Janeiro, o governo do Estado informou que o erro foi atribuído ao laboratório privado PCS Lab Saleme, localizado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
A Anvisa descobriu ainda que o PCS não tinha kits para realização dos exames de sangue nem apresentou documentos comprovando a compra dos itens, o que levantou a suspeita de que os testes podem não ter sido feitos e que os resultados tenham sido forjados.