O Brasil está diante de um desafio inédito em sua história recente: reconstruir uma unidade inteira da Federação, destruída como se tivesse passado por uma guerra. A tragédia climática e humanitária que se abateu sobre o Rio Grande do Sul paralisou a vida de milhões de cidadãos em nada menos que 447 dos 497 municípios gaúchos.
Não se trata, portanto, da prestação de socorro pontual aos moradores de um determinado bairro, região ou mesmo de uma cidade, o que já seria delicado. O Estado de 11,3 milhões de habitantes agora depende que o País lhe estenda as mãos para retomar o prumo. É fundamental que a sociedade tenha a exata compreensão da faina sem precedentes que se avizinha. Será o desafio de uma geração – não de gaúchos, mas de brasileiros.
Embora ainda não sejam plenamente conhecidos, não serão triviais os sacrifícios e escolhas que precisarão ser feitos para o sucesso do apoio material de que os gaúchos necessitam. O governo federal, por exemplo, anunciou há poucos dias um pacote de medidas de socorro ao Rio Grande do Sul no valor de quase R$ 51 bilhões.
Em uma primeira estimativa, o governador gaúcho Eduardo Leite calculou que R$ 19 bilhões serão necessários para bancar a reconstrução. Por sua vez, especialistas ouvidos pelo Estadão estimam que os trabalhos não custarão menos que R$ 90 bilhões. Essa expressiva disparidade entre os números retrata muito bem o ineditismo de uma adversidade de tal dimensão.
Com muitas cidades gaúchas ainda debaixo d’água, não é possível sequer identificar todos os danos causados pelas enchentes, muito menos quantificar com exatidão prejuízos e estimar investimentos necessários para que os cidadãos afetados possam voltar a viver, no mínimo, em condições próximas das que viviam antes que a primeira gota de chuva virasse do avesso a realidade conhecida por eles até então.
Tamanha incerteza deve ensejar um preparo para que a gravidade do problema seja ainda maior do que agora está circunscrito apenas à imaginação. Para começar, não se pode perder de vista que se está tratando da reconstrução de um Estado que representa, sozinho, cerca de 6% do PIB nacional, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Portanto, quanto mais coesa for a aliança pela recuperação do Rio Grande do Sul, mais rápida ela será e, consequentemente, menor será o baque econômico para o Brasil como um todo.
O Estado é um dos mais importantes produtores agropecuários do País, contribuindo para o sucesso do segmento mais pujante da economia brasileira. Ajudar o Rio Grande do Sul, que já seria um imperativo moral, ainda se desvela como uma ação estratégica para o Brasil.
“Katrina gaúcho”
Guardadas as devidas proporções, os desdobramentos das enchentes no Rio Grande do Sul representarão para o Brasil, por muitos anos à frente, o que o furacão Katrina representou não só para a Louisiana, mas para todos os Estados Unidos. Até hoje, passados quase 20 anos, os americanos ainda lidam com consequências da tragédia que devastou Nova Orleans e outras cidades de pelo menos três Estados (Louisiana, Alabama e Mississippi).
Muitos americanos que se veem até hoje desabrigados ou desalojados, a ponto de compor uma rota de êxodo interno incessante pelos Estados Unidos, ainda estão tentando reconstruir suas vidas. Não é improvável que no Rio Grande do Sul um fenômeno semelhante venha a ser observado.
A sociedade precisa ter consciência de que anos muito difíceis virão. Reerguer o Rio Grande do Sul e amparar seu povo não será a missão principal e exclusiva dos atuais governos estadual e federal, mas dos próximos dois ou três. Essa perspectiva, antes de assustar, deve servir de estímulo para que a coragem, a tenacidade e a união do País floresçam nesta hora grave. Há motivos para acreditar nisso.
Quando o resgate de um simples cavalo captura os corações e mentes dos brasileiros, tem-se a esperança de que a recuperação do Rio Grande do Sul, que certamente será custosa, lenta e muito trabalhosa, ao fim será bem-sucedida.
(Marcello Campos)