Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 19 de junho de 2020
Os vírus costumam oscilar entre duas tendências – severidade e transmissibilidade. Se eles são virulentos demais, eles matam ou incapacitam seu hóspede; isso limita a habilidade deles de infectar novos hóspedes. No outro espectro, os vírus que causam pouco dano podem não estar gerando cópias suficientes de si mesmo para serem infecciosos.
Mas o vírus Sars-CoV-2, o coronavírus que causa a Covid-19, parece driblar essa compensação evolucionária. Os sintomas, em geral, só aparecem depois que a pessoa infectada já espalhou o vírus por vários dias.
Um estudo da Sars-CoV-2 estimou que a taxa mais alta de excreção viral, e portanto de transmissibilidade, acontece entre um e dois dias antes de a pessoa contaminada apresentar sintomas.
Ou seja: você só fica doente quando o vírus já cumpriu sua principal meta de evolução: se propagar.
Os vírus que são bons em gerar cópias de si mesmos e depois de colocar essas cópias em novos hóspedes são mais bem-sucedidos e mais prevalentes até que a imunidade do hóspede ou os esforços de saúde pública os contenham.
Como professores que estudam medicina evolutiva, nós sabemos que a compensação entre a virulência e a transmissibilidade ajuda a manter um agente patogênico sob controle.
O alto poder de destruição de um vírus impede que ele se propague demais. Foi assim com outros agentes patogênicos, como o vírus de Marburgo, o Ebola e o coronavírus original responsável pela Sars.
Os surtos que consistentemente causam sintomas severos são mais fáceis de se conter com medidas de saúde pública, porque os indivíduos contaminados são facilmente identificados.
O Sars-CoV-2, no entanto, pode invadir comunidades de forma silenciosa, porque muitos indivíduos contaminados não apresentam sintoma algum.
Doença sexualmente transmissível
Neste ponto, a Covid-19 parece uma doença sexualmente transmissível. A pessoa contaminada continua aparentando estar e se sentindo bem enquanto espalha a doença a novos hóspedes.
O HIV e a sífilis, por exemplo, são relativamente assintomáticos por boa parte do tempo em que são contagiantes.
Com o Sars-CoV-2, estudos recentes indicam que algo entre 40% e 45% das pessoas contaminadas ficam assintomáticas. E esses portadores parecem capazes de transmitir o vírus por um período maior.
A Covid-19 tem outra semelhança com muitas doenças sexualmente transmissíveis.
A gravidade da doença não é a mesma para todos pacientes, geralmente com diferenças dramáticas entre cada caso.
Há evidências de que a habilidade para lutar contra a infecção difere entre as pessoas. A gravidade entre as variedades do vírus também pode ser diferente, apesar de não se ter ainda evidências mais sólidas sobre isso.
Mesmo para uma única variedade de Sars-CoV-2, o vírus pode afetar pessoas de formas diferentes, o que poderia facilitar a sua propagação.
O vírus Sars-CoV-2 – ou qualquer outro agente patogênico – não está mudando deliberadamente o que faz para poder explorar e usar nossos corpos como veículos de transmissão, mas agentes patogênicos podem evoluir para parecer que estão brincando conosco.
Estudos mostram que os agentes patogênicos podem expressar virulência condicional – que significa que podem ser altamente virulentos em algumas pessoas e menos em outras, dependendo das características do hóspede, como idade, presença de outras infecções e resposta do sistema imunológico de cada um.
Isso poderia explicar como o Sars-CoV-2 evita o mecanismo de compensação. Em alguns indivíduos, ele maximiza a virulência, como no caso de hóspedes mais velhos; em outros, a transmissibilidade é maximizada.