A ministra Cármen Lúcia abriu, no início da tarde desta segunda-feira (4), a audiência pública que vai subsidiar a análise da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 614, proposta pela Rede Sustentabilidade contra o Decreto 9.919/2019, da Presidência da República, que altera a estrutura do Conselho Superior do Cinema. Esta é a 27ª audiência pública realizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Ao abrir a audiência, a ministra enfatizou que o objetivo não é debater a censura no cinema. “Censura não se debate, censura se combate”, afirmou.
Cármen Lúcia assinalou que o Brasil venceu os tempos em que não era permitido pensar, produzir ou criar livremente. “Há uma Constituição democrática em vigor, e é responsabilidade de todos impedir que a liberdade seja de novo restringida, cerceada ou cassada”, destacou.
Até a manhã desta terça-feira (5), serão ouvidos especialistas, representantes do poder público e da sociedade civil e pessoas com experiência e autoridade no setor brasileiro responsável pela criação, pela produção e pela divulgação de todas as formas democráticas de expressão artística, cultural e de comunicação audiovisual.
A ministra explicou como o STF utiliza as audiências públicas para se abastecer de conhecimentos técnicos aprofundados e específicos como forma de subsídio para o julgamento de ações que impugnam a validade constitucional de determinadas normas. Na ADPF 614, a Rede alega que o decreto tem como objetivo censurar a produção audiovisual brasileira por meio do esvaziamento do Conselho Superior do Cinema, responsável pela implementação de políticas públicas de desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional.
Segundo a ministra Cármen Lúcia, o ser humano precisa produzir o Direito para viver com civilidade e produzir cultura para viver com humanidade. “A cultura é a expressão da história de cada povo, que se conta pelo teatro, pela música, pela literatura, pelo cinema, pela pintura, pela dança. Nunca vi a história de qualquer povo ser narrada em moedas”, disse.
O que disseram os artistas
O ator Caco Ciocler afirmou que a classe vem sofrendo “acuamentos” públicos e privados “preocupantes e equivocados”. “A gente só veio para cá porque em algum lugar a gente está sentido a censura na pele. É uma questão prática, não é uma questão de discurso”, disse.
A atriz Dira Paes defendeu que os representantes dentro das secretarias culturais sejam “nossos representantes, não nossos antagonistas”. “Não vamos nos acovardar, nós temos uma lei de uma mãe da cultura brasileira que foi atacada diretamente no coração, isso atingiu a todos na jugular. Nós estamos bravos, tristes, mas isso não nos paralisa, mas isso nos dá mais poder de criação, porque se cria na crise”, afirmou a atriz.
Para Caio Blat, a “censura já está de volta”. “De forma velada, de forma imunda, de forma disfarçada, mas o que acontece é que a censura voltou pior do que era 1964 e 68. Porque ela era declarada, institucional. E agora o que está se fazendo é uma limpeza ideológica velada. E tentando excluir os mais fracos da sociedade”, disse. “Nós estamos sabendo todos os dias do cancelamento de peças por conteúdo ideológico, sexual, de diversidade“, afirmou o ator.
O cantor e compositor Caetano Veloso disse que o governo dirá que não proíbe arte, que não está prendendo ou interrogando autores, e que os artistas são perfeitamente livres para expressarem suas ideias, sua sexualidade, suas religiões, mas que se reserva o direito de não financiar artistas e temáticas que não estejam em desacordo com o projeto que foi feito nas urnas pela maioria do povo. “Não existe mais um departamento de censura, não existe mais o cargo de censor, que o Estado não pretende impedir a difusão de obra alguma”, comparou. “Ao contrário da censura, a suspensão do edital é democrática. Pois é exatamente aí que vive a essência da censura”, afirmou.
Direito de escutar
Caetano defendeu o direito de escutar. “O artista no fundo é coadjuvante de uma história maior. Pois o maior protagonista é o público. É mais sobre o direito de escutar do que o de dizer. É o direito do espectador de ter ideias variadas, inclusive diferentes das que ele já conhece e aprova. E aí, na autonomia do público, no seu direito de ser exposto ao novo, ao desconhecido, que reside a importância cultural e democrática da liberdade de expressão”, completou.