Centenas de meninas foram intoxicadas misteriosamente em escolas do Irã nos últimos três meses, provocando uma onda de comoção e protestos ao redor do país. Mais de cem casos foram registrados em sete instituições de ensino em Ardabil, no Norte, e outros estão sendo reportados pela imprensa local em Teerã. Autoridades iranianas investigam possíveis responsáveis, mas ninguém ainda foi preso.
A principal suspeita é de que grupos contrários à educação feminina estejam por trás dos envenenamentos, que, segundo autoridades sanitárias, foi provocando por substâncias químicas não militares e disponíveis no mercado. Resultados de exames divulgados pelo Ministério da Saúde iraniano indicam que os químicos eram compostos principalmente por gases à base de nitrogênio, utilizados na indústria ou como fertilizantes agrícolas.
Ativistas denunciam que os ataques são uma retaliação à onda de protestos que atingiu a República Islâmica em setembro contra a morte da jovem curda Mahsa Amini, em que houve ampla participação de jovens secundaristas. Paralelos com o Talibã, que usou uma tática similar nos anos 2000 e 2010 para afastar meninas das escolas afegãs, também foram apontados.
Entenda como começou
Os primeiros casos de envenenamento surgiram em novembro em Qom, cidade sagrada para os xiitas no sudoeste do país. Dezenas de jovens e professores foram hospitalizados e relataram sintomas como náusea e cefaleia, em alguns casos com paralisia temporária dos membros, informou a imprensa local. Na maioria deles, o estado das jovens evoluiu de forma tranquila, mas algumas precisaram ser acompanhadas por meses após deixarem o hospital.
Apesar da comoção no país, sobretudo de pais de estudantes, o governo iraniano admitiu apenas recentemente que os incidentes possam ter sido obra de uma ação deliberada. Por meses, as autoridades minimizaram os casos, alegando que as meninas estavam em “pânico” e apenas com sintomas leves, afirmou o jornal al-Jazeera.
Segundo estimativas da porta-voz da comissão parlamentar de Saúde, Zahra Sheikhi, cerca de 800 foram intoxicadas somente em Qom desde novembro, e algumas escolas reportaram casos de intoxicação mais de uma vez. No entanto, não há um consenso em relação ao número de pessoas afetadas, e o governo iraniano não divulgou dados precisos.
A imprensa reportou que uma menina morreu na cidade após ter sido hospitalizada em decorrência do suposto envenenamento. A informação acabou desmentida pelo pai e pelo médico da jovem, que alegaram que ela faleceu por causa de uma infecção aguda e não por intoxicação.
Casos de envenenamento também foram reportados em Borujerd, no oeste, deixando cerca de 400 meninas intoxicadas, segundo Sheikhi. Há ainda relatos em escolas na capital Teerã e nas cidades de Tehransar e Ardabil. Ao menos 15 cidades podem ter sido atingidas, afirmou um deputado em sessão do Parlamento nesta semana, sem dar nomes.
Pressão política
O presidente iraniano, Ebrahim Raissi, encarregou nesta quarta-feira o ministro do Interior, Ahmad Vahidi, de “acompanhar o caso” e “informar” o público sobre a investigação para “dissipar as preocupações das famílias”, informou o site da Presidência.
Durante a tarde, Vahidi declarou à imprensa que as autoridades continuam investigando “possíveis responsáveis” pelas intoxicações, mas que ninguém havia sido preso.
“Até agora, não temos um relatório definitivo que confirme que uma substância específica de natureza tóxica foi utilizada”, afirmou o ministro.
O Ministério da Saúde admitiu que os ataques foram promovidos por “alguns indivíduos” que tentam fazer “com que todas as escolas, particularmente as femininas, fechassem”, sem dar mais detalhes.
Antes da declaração, diversos funcionários do governo haviam sugerido que os incidentes foram obra de “inimigos” estrangeiros do Irã com o objetivo de desmoralizar o país, informou a al-Jazeera.