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Cérebro da mosca pode trazer pistas sobre o nosso

Alzheimer: estudo identifica a região do cérebro em que a doença começa a se desenvolver. (Foto: Reprodução)

O cérebro de uma mosca é do tamanho de uma semente de papoula, e é quase tão fácil de ser ignorado.

“A maioria das pessoas, eu acho, nem mesmo pensa na mosca como tendo um cérebro”, disse o neurocientista do Campus de Pesquisa Janelia, do Instituto Médico Howard Hugues, nos Estados Unidos, Vivek Jayaraman, e acrescenta: “No entanto, as moscas levam uma vida muito rica”.

As moscas são animais capazes de comportamentos sofisticados, incluindo navegar por diversas paisagens, brigar com rivais e realizar serenatas para parceiros em potencial. E seus cérebros, do tamanho de uma partícula, são extremamente complexos, contendo cerca de 100 mil neurônios e dezenas de milhões de conexões, ou sinapses, entre eles.

Desde 2014, uma equipe de cientistas do Janelia, em colaboração com pesquisadores do Google, tem mapeado esses neurônios e sinapses em um esforço para criar um diagrama de fiação abrangente, também conhecido como conectoma, do cérebro da mosca.

O trabalho, que é contínuo, é demorado e caro, mesmo com a ajuda de algoritmos de aprendizado de máquina de última geração. Mas os dados que eles divulgaram até agora são impressionantes em seus detalhes, compondo um atlas de dezenas de milhares de neurônios retorcidos em muitas áreas cruciais do cérebro do inseto.

E agora, em um novo artigo enorme, publicado na revista científica eLife, os neurocientistas estão começando a mostrar o que podem fazer com essas descobertas. Ao analisar o conectoma de apenas uma pequena parte do cérebro da mosca – conhecido como complexo central, que desempenha um papel importante na navegação – Jayaraman e seus colegas identificaram dezenas de novos tipos de neurônios, e localizaram circuitos neurais que parecem ajudar as moscas a seguirem seu caminho pelo mundo.

No final, o trabalho pode ajudar a fornecer uma visão sobre como todos os tipos de cérebros de animais, incluindo o de seres humanos, processam uma enxurrada de informações sensoriais e as traduzem em ações.

É também uma prova de princípio para o jovem campo da conectômica moderna, que foi construído com a promessa de que a construção de diagramas detalhados de fiação sobre o cérebro pagaria os dividendos científicos.

“É realmente extraordinário”, disse o pesquisador sênior do Instituto Allen para Ciência do Cérebro, em Seattle, nos Estados Unidos, Clay Reid: “Acho que qualquer pessoa que olhar para o estudo dirá que a conectômica é de fato uma ferramenta de que precisamos na neurociência”.

Seu cérebro de mosca está cozido

O único conectoma completo no reino animal já feito pertence à lombriga C. elegans. O biólogo pioneiro Sydney Brenner, que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel, deu início ao projeto na década de 1960. Sua pequena equipe passou anos trabalhando para isso, utilizando canetas coloridas para rastrear todos os 302 neurônios à mão.

“Brenner percebeu que para entender o sistema nervoso era preciso conhecer sua estrutura. E isso é verdade em toda a biologia, a estrutura é muito importante”, disse o neurocientista e geneticista da Faculdade de Medicina Albert Einstein, Scott Emmons, que mais tarde utilizou técnicas digitais para criar novos conectomas da mesma espécie.

Brenner e seus colegas publicaram seu artigo significativo para o campo, com 340 páginas, em 1986. Mas o campo da conectômica moderna não decolou até os anos 2000, quando os avanços em imagem e computação finalmente tornaram viável mapear as conexões em cérebros maiores. Nos últimos anos, equipes de pesquisa em todo o mundo começaram a montar conectomas de peixes-zebra, pássaros canoros, ratos, humanos e muito mais.

Quando o Campus de Pesquisa Janelia foi inaugurado em 2006, Gerald Rubin, seu diretor fundador, voltou sua atenção para a mosca.

“Não quero ofender nenhum dos meus colegas vermes, mas acho que as moscas são o cérebro mais simples que realmente executa um comportamento interessante e complexo”, disse Rubin.

Diversas equipes diferentes no Janelia embarcaram em projetos de conectomas de moscas nos anos que se seguiram, mas o trabalho que levou ao novo estudo começou em 2014, com o cérebro de uma única mosca da fruta fêmea com cinco dias de idade.

Os pesquisadores cortaram o cérebro da mosca em placas e, em seguida, usaram uma técnica conhecida como microscopia eletrônica de varredura por feixe de íons focalizados para obter imagens de camada por camada. O microscópio funcionava essencialmente como uma lixa de unha muito minúscula e precisa, lixando uma camada excessivamente fina do cérebro, tirando uma foto do tecido exposto e repetindo o processo até que não restasse mais nada.

“Você está simultaneamente criando imagens e cortando pequenas fatias do cérebro da mosca, então elas não existem mais depois que você termina. Se você estragar alguma coisa, está feito. Seu ganso está cozido, ou, no caso, seu cérebro de mosca está cozido”, explica Jayaraman.

A equipe então usou um software de visão computacional para juntar milhões de imagens resultantes do processo em um único volume tridimensional e enviar ao Google. Lá, pesquisadores usaram algoritmos avançados de aprendizado de máquina para identificar cada neurônio individual e rastrear seus ramos retorcidos.

Finalmente, a equipe do Janelia utilizou ferramentas computacionais adicionais para localizar as sinapses e revisaram manualmente o trabalho dos computadores, corrigindo erros e refinando os diagramas de fiação.

No ano passado, os cientistas publicaram o conectoma para o que chamaram de “hemibrain”, uma grande parte central do cérebro da mosca que inclui regiões e estruturas que são cruciais para o sono, aprendizagem e navegação.

O conectoma, que pode ser acessado gratuitamente online, inclui cerca de 25 mil neurônios e 20 milhões de sinapses, um número muito maior que o conectoma da lombriga C. elegans.

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