Chico Buarque completou 75 anos nesta quarta-feira (19), e ganhou uma homenagem de dois instrumentistas apaixonados por sua obra. O saxofonista e flautista Alexandre Caldi e o bandolinista Hamilton de Holanda resolveram se juntar no espetáculo “Fantasia — Chico Buarque em música e poesia”. Dirigido por Inez Viana, o show teve uma apresentação única.
O local do evento foi o mesmo onde Caldi estreou o concerto “Buarqueanas”, em 2016, com arranjos originais para sopro e cordas para canções como “Joana francesa” e “Palavra de mulher”. No mesmo ano, Hamilton foi vencedor do Grammy Latino na categoria Música Instrumental, com o disco “Samba de Chico”, que também tem arranjos originais para bandolim, contrabaixo e percussão.
“Quando as coisas têm que dar certo, elas dão. Foi uma feliz coincidência todo mundo poder nessa data, no aniversário do Chico”, comemora Holanda.
Foi Caldi quem teve a ideia do show, que terá duas outras apresentações em setembro. A primeira no dia 20, também na Cecília Meireles, e a segunda dia 22, na Arena Dicró, na Penha.
““Buarqueanas” é quase erudito. Pensei que seria interessante fazer um espetáculo maior com uma leitura bem contrastante da minha. Lembrei do “Samba de Chico” e convidei o Hamilton, que traz esse contraponto com os sambas e músicas mais animadas e suingadas”, conta Caldi, que será acompanhado pelo Quinteto Metacústico.
Os músicos apresentaram, no total, 16 canções instrumentais, ora juntos ora separados, intercaladas por versos e trechos de livros de Chico — vencedor do Prêmio Camões de Literatura deste ano — recitados pela atriz e cantora Emanuelle Araújo, que também canta duas músicas.
Nascido em 19 de junho de 1944, Chico chegou aos 75 com a unanimidade já perdida em um Brasil novamente inflamado por feridas sociais. Sobressalente no gênero rotulado como MPB, a obra já perdeu há décadas o elo com o chamado povo, em maioria já habituado aos padrões simplistas de música pop hoje calcada em mistura rala de sertanejo, funk, forró e ritmos latinos da América hispânica.
Alheios aos ritmos do momento, a obra e o artista continuam cultuados em nichos capazes de detectar a crescente sofisticação harmônica – evidenciada nos nove álbuns que chegam às plataformas de música nesta sexta-feira (21), dando visibilidade digital à discografia lançada pelo cantor na gravadora BMG entre 1987 e 2001.
Em algumas bolhas, Chico Buarque ainda continua sendo unanimidade. Se a produção autoral do compositor perdeu o impacto homogêneo da áurea década de 1970, o artista atravessa o tempo com coerência na música e na vida.
Temporão da geração de gênios da MPB que vieram ao mundo entre 1941 e 1942, Chico é o mais novo de uma turma que inclui Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento – os três à beira dos 77 anos.
Em contrapartida, Chico parece ser o mais velho na condução da grande obra alicerçada desde 1964. Chico nunca arregimentou músicos de geração mais jovem e indie para tocar na banda – como fizeram com êxito Caetano e Gil. Chico nunca fez turnê com revelações da música brasileira como Criolo e Tiago Iorc – como fez o sempre gregário Milton.
Chico Buarque parece ser orgulhosamente das antigas quando o assunto é música. É o artista que se recusa a ser moderno, talvez por já se saber eterno.
Voz da civilização encruzilhada, Chico talvez tenha o desespero de esperar demais pelo Brasil, como o Pedro pedreiro da construção inicial. Mas segue firme na luta e na música, no tempo próprio do artista, fazendo shows e álbuns com intervalos longos, geralmente de seis anos.
Tempo em que se dedica ao ofício de escritor sem pressa, sem pressão, esperando com a paciência de ourives a palavra certa que já vem, já vem, já vem… E que sempre vem.