Terça-feira, 24 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 21 de novembro de 2021
Pesquisa do instituto Cadem, divulgada no último dia 5, apontou Kast com 25% das intenções de voto. Boric apareceu em segundo lugar com 19% das intenções.
Foto: ReproduçãoOs chilenos vão às urnas neste domingo (21) decidir quem ocupará a cadeira presidencial para suceder o conturbado mandato de Sebastián Piñera, que sobreviveu recentemente a uma segunda tentativa de impeachment.
As pesquisas eleitorais mais recentes indicam para um provável segundo turno entre o deputado da esquerda, Gabriel Boric, e o candidato da extrema-direita em forte ascensão, José Antonio Kast. Caso necessário, a segunda votação ocorrerá em 19 de dezembro.
Uma pesquisa do instituto Cadem, divulgada no último dia 5, apontou Kast com 25% das intenções de voto. Boric apareceu em segundo lugar com 19% das intenções. Foi a primeira vez que o candidato da extrema-direita se impôs sobre Boric em um possível segundo turno, vencendo por 44% a 40%, conforme o instituto.
Com 55 anos, José Antonio Kast demonstrou um crescimento vertiginoso nas últimas semanas. Abertamente apoiador de Augusto Pinochet – ele alega que o ditador que comandou o Chile entre 1973 e 1990 seria seu eleitor se estivesse vivo –, o advogado e político fez críticas à direita tradicional e aproveitou a queda de popularidade do atual presidente para subir nas pesquisas.
Analistas afirmam que Kast consegue aproveitar o momento de questionamento ao globalismo e às instituições tradicionais, defendendo uma suposta luta anticomunista, como ocorreu no Brasil, nos Estados Unidos e outros países europeus.
Kast acabou por ultrapassar o deputado Gabriel Boric, que liderava a corrida até então. Candidato à presidência mais jovem da história chilena, com 35 anos, o ex-líder estudantil cresce na política desde 2011, quando justamente protestou contra o ensino privado no país.
Ele se destacou durante os protestos de 2019, e atuou na negociação política que levou ao plebiscito por uma nova Constituição chilena. Candidato da esquerda com mais chances neste pleito, ao vencer as eleições primárias em julho, Boric declarou: “Se o Chile foi o berço do neoliberalismo, também será seu túmulo”.
A polarização no Chile
Para o analista Internacional Lourival Sant’Anna, o aspecto mais importante dessa disputa no Chile é a polarização. “A polarização é algo recente na política chilena”, diz.
Ele relembra que o atual presidente Sebastián Piñera, quando eleito para seu primeiro mandato em 2010, foi o presidente mais à direita a ser eleito desde a redemocratização chilena.
“No segundo mandato, Piñera foi eleito já com uma agenda mais de centro, mas a polarização estava se fermentando”, afirma. “Sempre houve candidatos e grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita no Chile, mas é a primeira vez que eles tem uma chance real de chegar ao poder.”
O analista explica que dois fatores levaram à radicalização da política chilena: a ausência de uma previdência pública no país, “que levou a um empobrecimento das pessoas”. E o fato de não existir ensino superior gratuito no Chile, “porque mesmo nas universidades públicas é cobrada uma anuidade dos estudantes”.
“Foi criado um sistema de crédito educacional que deixou muitas pessoas de classe média e baixa endividadas ao se formar na universidade, o que gerou uma grande ansiedade nos jovens chilenos”, declara Sant’Anna.
Uma pesquisa do Instituto Nacional da Juventude (Injuv) indicou que o índice de comparecimento às urnas entre jovens chilenos deve chegar à 77%. Entre os principais pontos a serem considerados nos programas de governo dos candidatos estão “Emprego e economia” e “Educação”.
Reflexos políticos no Brasil
O professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Felipe Loureiro, afirma que as eleições chilenas são “muito importantes” para o Brasil. Isso porque, segundo ele, uma possível instabilidade em nossos vizinhos pode refletir no país, sobretudo com uma vitória de Boric.
“Eu penso que o cenário seria muito semelhante ao que esta se desenvolvendo na Bolívia e no Peru, cuja eleições foram vencidas por candidatos de esquerda. Isso leva um enfraquecimento entre as relações bilaterais entre o Brasil de Bolsonaro e esses países. No caso do Chile tem um agravante, porque Bolsonaro se aproximou bastante de Piñera, desde 2019.”
Loureiro relembra a saída do Chile da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2008 como um projeto progressista de 12 países, impulsionado pelo falecido presidente venezuelano Hugo Chávez e apoiado por outros líderes do continente da época, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e o já também falecido Néstor Kirchner (Argentina).
“Foi criado um fórum paralelo, o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (Prosul). Uma vitória do Boric enfraqueceria esse órgão, que não é tão forte, mas um projeto de regionalismo de direita, centro-direita ate a extrema-direita latino-americana, que já esta bastante enfraquecida, mas certamente acabaria perdendo proeminência”, avalia.
Já Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Observatório de Regionalismo, chama atenção para uma possível “guinada conservadora” caso a vitória seja de Kast.
A professora explica que o Chile vem enfrentado mudanças muito significativas desde as manifestações do final de 2019, quando parte da população foi às ruas exigindo alterações em relação à Constituição chilena. Em julho deste ano, uma comissão para reeditar a Carta Magna do Chile foi criada.
“Foi muito interessante como reservaram cadeiras para indígenas, lideranças sociais. Isso de fato consagra a possibilidade de uma Constituição que possa abarcar um interesse mais amplo da população”, avalia. “As eleições de agora vão realmente dar outra perspectiva ao país.”