Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 4 de junho de 2023
Que chineses e americanos travam uma disputa pela hegemonia global não é novidade. Há algum tempo, a China vem diminuindo a diferença econômica e militar entre os dois lados do Pacífico. Mas até recentemente a política externa chinesa era essencialmente comercial. Para a surpresa de muitos, recentemente, ela se tornou também uma força pragmática, colocando-se como mediadora de conflitos. A nova versão pacificadora ameaça o espaço dos EUA em um terreno novo: a diplomacia.
Pequim surpreendeu o mundo em março ao mediar o restabelecimento das relações entre Arábia Saudita e Irã, dois inimigos. A missão foi executada em silêncio, daí o espanto quando a notícia foi confirmada. A costura marca o momento em que a China inicia uma incursão menos discreta para ser reconhecida como protagonista no xadrez global, capaz de resolver conflitos, garantir a estabilidade e ser alternativa aos EUA.
Dias depois do acordo, o presidente chinês, Xi Jinping, apresentou um plano de paz para a guerra na Ucrânia, no aniversário de um ano da invasão russa, em 24 de fevereiro. Apesar do ceticismo de americanos e europeus, estava claro que a política externa da China havia subido um degrau.
A China é a principal parceira comercial de 120 países, com presença cada vez maior na América Latina, Ásia Central e África. Apesar disso, se absteve de interferir em questões políticas – exceção feita ao Leste Asiático, onde bate de frente com os EUA desde 2011, quando o então presidente Barack Obama iniciou uma ofensiva diplomática e econômica no Pacífico.
Novo status
Para analistas, a mudança confirma o status de superpotência que a China conquistou e intensifica a disputa com os EUA. “É natural que potências maiores tenham interesses que se espalhem pelo mundo”, diz Susan Thorton, diplomata americana e professora da Universidade Yale. “No caso da China, é uma manifestação de poder crescente, de interesses em expansão, do desejo de um ambiente estável e de acesso a recursos, que mostram que o país é um ator responsável.”
Apesar de ser a segunda economia do mundo, a China ainda não havia almejado um protagonismo diplomático. “Quando o crescimento econômico diminuiu, esse perfil mudou”, afirmou o diplomata Marcos Caramuru, ex-embaixador do Brasil em Pequim e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Com larga experiência na China, onde mora desde 2008, Caramuru observou de perto as mudanças. As primeiras aconteceram durante o governo de Donald Trump, que impôs restrições comerciais e passou a considerar Pequim uma ameaça à segurança nacional dos EUA. “Com isso, a diplomacia chinesa foi ficando mais ativa em verbalizar ideias”, disse.
Desde então, a relação entre os dois gigantes desce a ladeira. Durante a pandemia, Trump se referia à covid como “vírus chinês”. Apesar dos protestos da China, a imagem do país saiu arranhada. Em resposta, os diplomatas chineses agiram de maneira agressiva.
Segundo analistas, o governo chinês entendeu que precisava fortalecer alianças e ter boas relações não apenas econômicas, mas também políticas. “Pequim quis aliviar as pressões da competição com Washington fortalecendo sua posição diplomática”, disse Amanda Hsiao, do centro de estudos Crisis Group.
Com a chegada de Joe Biden à presidência, em 2021, e a invasão da Ucrânia, no ano seguinte, as tensões cresceram, principalmente após a repressão à democracia em Hong Kong e as ameaças de repetir a cartilha em Taiwan. O incidente com balões chineses nos céus dos EUA, em fevereiro, colocou mais lenha na fogueira.
Tudo isso só serviu para a China pisar no acelerador e correr ainda mais rápido para melhorar sua imagem. “O esforço de se apresentar como um ator construtivo para a paz serve para refutar as acusações de que a China é uma ameaça à ordem existente”, disse Hsiao.
Ucrânia
A primeira reação à incursão diplomática da China na Europa, porém, é um sinal das dificuldades que envolvem uma trégua na Ucrânia. Pequim propôs um cessar-fogo imediato. O Ocidente exige que antes a Rússia retire suas tropas do território ucraniano.
Para Marcos Freitas, professor da Universidade de Relações Exteriores da China, o papel de Pequim na Ucrânia é crucial. “A China tem condições de negociar a paz porque tem força sobre ambos países”, disse Freitas. Para ele, Pequim tem consciência da importância do sucesso da diplomacia para se firmar como superpotência. “É um passo bem planejado.”