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“Chip da beleza”: os riscos do implante que não tem aval da Anvisa

Recentemente, uma jovem de cerca de 20 anos foi internada em estado grave devido ao uso do produto. (Foto: Reprodução)

Embora relatos sobre seu uso sejam comuns nas redes sociais, os famosos “chips da beleza” não são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem podem ser indicados pelos médicos para fins de ganho de massa muscular ou performance, segundo regras do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Um dos principais pontos é a segurança: os implantes do tipo podem levar a uma série de riscos, desde alterações comportamentais até riscos aumentados para doenças cardíacas como infarto e acidente vascular cerebral (AVC).

Recentemente, o caso de uma jovem de cerca de 20 anos que foi internada em estado grave, em São Paulo, depois de sofrer um edema cerebral viralizou nas redes sociais. A paciente não tinha doenças prévias, e o problema aconteceu menos de um dia depois de ela ter colocado um “chip da beleza”.

Esses implantes podem levar uma série de hormônios, sem que o usuário possa ter certeza de qual exatamente está presente ali. Um delas muito utilizada é a gestrinona, uma forma sintética da testosterona, ou seja, que faz parte da classe de esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) – que foram alvo do CFM em abril.

“Nós estamos observando no Brasil um aumento exponencial da prescrição de esteroides androgênicos e anabolizantes para fins estéticos, de ganho de massa muscular e de melhoria de desempenho esportivo,– inclusive entre mulheres. Os especialistas foram unânimes em afirmar que os benefícios da utilização dessas medicações para esses fins não superam os riscos. Não existe dose mínima segura, como alguns usuários alegam. Por isso, estamos proibindo essa prática”, afirmou José Hiran Gallo, presidente do CFM na época em que o órgão vetou a indicação de produtos do tipo para fins estéticos ou de performance.

Os esteroides anabolizantes são necessários somente em casos em que de fato há a necessidade e indicação médica adequada, explicou o presidente do Departamento de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Clayton Macedo:

“Elas são utilizadas para indivíduos que têm deficiência da testosterona, como homens com hipogonadismo, ou para incongruência de gênero, no caso de hormonioterapia para homens trans. Essas são as duas grandes indicações hoje, para quem tem falta do hormônio, mas isso precisa ser comprovado e impactar o quadro clínico.”

Apesar do alerta de especialistas para que o uso dos EAA seja feito apenas nos casos indicados, a busca por “chips da beleza”, “bombas”, oxandrolona e outros anabolizantes com fins estéticos tem se tornado inclusive a maioria das prescrições de substâncias do tipo, apontou Marcelo Bichels Leitão, cardiologista e diretor científico da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME).

“O mercado cresceu muito. Existem muitos médicos que fazem prescrições inapropriadas, e existe um mercado clandestino muito grande, nas próprias academias, na internet, você vê pessoas vendendo e uma facilidade muito grande no acesso. E os impactos, sejam estéticos ou de ganho de performance, são transitórios e levam a uma série de efeitos colaterais graves”, diz o especialista.

* Quais os principais riscos dos anabolizantes?

As consequências das substâncias estendem-se a diversos mecanismos diferentes do corpo humano, desde uma masculinização indesejável entre as mulheres, até maior risco para problemas cardíacos e infertilidade entre os homens. Além disso, há os impactos psíquicos, como os vivenciados por Paula, que podem levar a alterações bruscas de comportamento.

“O hormônio é o da fuga, da força, então pode aumentar a agressividade dos indivíduos, e inclusive a probabilidade de tomar uma atitude criminosa. Nosso cérebro é rico em receptores da testosterona, e isso altera o comportamento, dá um grau de irritabilidade. Existe um trabalho dinamarquês que acompanhou durante 12 anos usuários de esteroides e, no final, mais de 20% tinham sido presos por algum crimes não relacionado a fatores socioeconômicos”, disse o especialista da SBEM.

Macedo cita um trabalho publicado em 2019 na revista científica Drug and Alcohol Dependence que mostrou um risco nove vezes maior de condenação por um crime entre os usuários dos EAA em comparação com um grupo de controle.

Os efeitos colaterais também são principalmente cardíacos, com um risco aumentado de embolia com trombose, arritmia e de mortalidade no geral. Macedo, que coordena o ambulatório de Endocrinologia do Exercício da Unifesp, serviço de referência para pacientes com sequelas de anabolizantes, conta que recebe muitos pacientes jovens, de 30 a 40 anos, com problemas cardiovasculares graves, como infarto do miocárdio.

Muitas vezes, os indivíduos utilizam doses até 100 vezes o indicado para pessoas com deficiência do hormônio, e as combinam com outras drogas que prometem reduzir os efeitos colaterais – o que também é perigoso.

“Na hora que você está utilizando uma outra medicação ela pode até impedir algumas consequências físicas, mas não vai impedir danos no fígado ou no coração. E o anabolizante aumenta a parede do órgão, o que leva a problemas sérios”, explicou Andréa Fioretti, endocrinologista e uma das coordenadoras do ambulatório da Unifesp.

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