O jornalista José Roberto Guzzo estreou uma coluna no jornal O Estado de São Paulo no domingo passado. Ele é um craque do texto, mas no conteúdo, às vezes, chuta de canela.
O assunto era a decisão do STF sobre a prisão em segunda instância. Para Guzzo foi uma “tragédia única no mundo”. Dá para entender que um jornalista como ele não deixe barato, mas dizer que a decisão do STF é uma tragédia, e mais do que isto, única no mundo, é um colosso (palavra que ele gosta de usar) de exagero.
O jornalista declara que os ministros do STF fizeram “o oposto do que é sua obrigação”, ao decidir que a prisão só pode se dar depois de a sentença ter transitado em julgado. E quem define qual é a obrigação dos ministros? Ele. Ele, José Roberto Guzzo, é quem dá a palavra final sobre qual é a obrigação. A opinião do articulista se transforma em obrigação de terceiros, em sentença final e irrecorrível.
Guzzo vai mais longe: a decisão do STF visou conceder aos ricos o direito de passarem a vida sem punição pelos crimes que cometeram. É o argumento predileto dos que querem a prisão do réu logo à primeira condenação. Guzzo não prestou atenção, na sessão do STF, no depoimento do doutor Gabriel Faria de Oliveira, da Defensoria Pública da União-DPU: toda definição que agrava a situação dos réus endinheirados agrava com maior rigor os réus pobres. Quem entende e trata todos os dias de réu pobre neste país é a Defensoria Pública.
Também não quis ouvir o presidente do STF Dias Toffoli: no Brasil de 60 mil assassinatos por ano, a polícia, a Justiça, o Ministério Público só descobrem a autoria em cerca de 20%. Os restantes 80% permanecem impunes. A única impunidade que incomoda Guzzo, Moro, Dallagnol, o exército de justiceiros das redes sociais, é a dos ricos e dos políticos.
Para o colunista do Estadão, o que está em jogo é o choque entre a lei e a moral. Não é. A lei é o resultado da convivência comum e de um pacto social, e nela estão contempladas as grandes regras morais. Não há nada de imoral em defender a presunção de inocência até o final dos recursos.
Guzzo não tem o direito de escrever que os ministros do voto vitorioso, no caso, fazem parte da “luta desesperada pela sobrevivência do Brasil velho”. Os que votaram contra a prisão em 2a. instância tinham suas razões e eram legítimas.
O Brasil velho também é feito de juízes e procuradores que trocam informações e articulam ações impróprias no processo, que vazam seletivamente partes de processos sigilosos, que aceleram ou atrasam os procedimentos a seu talante. Um deles, o mais notório, depois de impedir uma candidatura à presidência mais do que viável, aceitou ser ministro do candidato vitorioso. O Brasil velho também é feito de jornalistas que atribuem a terceiros intenções subalternas e ditam regras do alto de uma suposta superioridade moral.
Juízes, procuradores, políticos, jornalistas como Guzzo, deveriam baixar um pouco a crista, vestir de vez em quando as sandálias da humildade, e considerar ao menos alguma vez, só para variar, que podem estar errados. (Tito Guarniere)