O imunologista e cientista Luiz Vicente Rizzo, diretor-superintendente de Pesquisa do Hospital Albert Einstein acredita que não existe nada mais próximo da ciência do que o jovem e que ensinar o método e o pensamento científico para crianças e adolescentes é importante não apenas para a formação de futuros cientistas que tentarão resolver os grandes desafios da humanidade, como para solucionar os problemas do dia a dia.
“Os problemas só têm solução se você consegue defini-los e é isso o que pensamento científico ensina”, afirma Rizzo.
Em entrevista, o médico, que teve forte atuação no combate à pandemia de covid em diversas frentes, explica por que ele está convicto que teremos outra pandemia ou emergência sanitária importante e qual será ela. Além disso, Rizzo avalia como está a saúde mental dos profissionais de saúde após a turbulência dos últimos anos.
1) O senhor acredita que a nova geração está mais interessada em ciência?
Acho que a criança, o jovem, sempre foi por natureza a fotografia da ciência porque ele tem as duas características principais da área: desrespeita o status quo e pergunta. A principal coisa a ciência é a pergunta. As pessoas que acham que a principal coisa da ciência é a resposta, mas não é. A grande sacada do cientista é fazer a pergunta certa. E a segunda característica que o jovem não respeita o status quo. Não tem cientista acomodado porque o cientista está procurando o novo. Então, para mim, ensinar ciência para as crianças é completamente intuitivo e é o público mais fácil de aprender. Agora a questão é como ensinar. Participo de um projeto incrível do hospital chamado ‘Cientistas do Amanhã’. É um programa com alunos do 9º ano do ensino médico da Escola Municipal Paulo Freire, de Paraisópolis. Os alunos passam 1 semana no centro de pesquisa do Einstein. Nesse período, eles têm diversas palestras, sobre violência, transmissão sexual de doenças, entender quais são as características de uma notícia falsa, pensamento e método científico. Eles têm um contato com uma qualidade e um volume de informações sobre a vida de modo geral e como a ciência melhora e se aplica à vida. No segundo semestre, os professores selecionam alguns desses alunos e eles passam 3 meses aqui. Eles rodam nas diversas áreas do laboratório, tem aulas sobre pensamento e método científico entre outras.
2) A iniciativa poderá formar cientistas, área ainda carente no Brasil?
Nosso objetivo é outro. É mostrar para esses meninos e meninas que o pensamento e o método científico podem ser úteis no dia a dia da vida. A hora que você consegue, utilizando o pensamento científico, enquadrar um problema, você passa a ter uma possibilidade de solução. E os problemas só têm solução se você consegue enquadrá-los, defini-los. Esse é um programa que vai dentro do conceito de solidariedade. De as pessoas se ajudarem, estarem próximas umas das outras e transmitirem o que elas têm de melhor, que é algo que deveríamos ter aprendido na pandemia, mas parece que já esquecemos.
3) O senhor participou em cheio trabalhando em todas as fases da pandemia de covid. Qual é a probabilidade de enfrentarmos novas emergências sanitárias?
É uma convicção pessoal de que não terminamos estes dez anos sem outra pandemia ou pelo menos uma epidemia importante. Há várias indicações disso. Estamos caminhando mal em diversos departamentos, como o encolhimento dos nichos ecológicos dos bichos e o aumento da temperatura que está causando o degelo do permafrost, onde há milhares de vírus pré-históricos, e alterando o fluxo migratório de aves. E cada vez que ter uma emergência zoonótica, eu fico achando que eu estou certo.
4) A alteração do padrão migratório das aves é um grande problema?
As aves são animais que carregam muitos vírus e com o qual temos muito contato. Por exemplo, o macaco tem febre amarela, mas ele fica na floresta. Se o humano não for até a floresta, ele não vai se infectar. Já o passarinho é a “Amazon” do vírus porque ele vem e entrega para você. Ele para em cima da casa, faz coco, o animal de estimação entra em contato com isso e eventualmente transmite para o humano. Então vírus transmitidos por passarinhos são muito chatos para humanos por causa disso. A mudança dos padrões de migração pode colocar alguns bichos numas rotas que eles não iam mais e em contato com os seres humanos.
5) Para o senhor, é mais provável que a próxima emergência de saúde seja causada por um vírus ancestral ou por um que já conhecemos como influenza ou coronavírus?
O mais provável é que seja um vírus oriundo da ave, que não precisa necessariamente ser influenza, porque as coisas que apresentam mais risco e mais chances são aquelas que vão até você. Mas é claro que avançarmos sobre os ecossistemas antes protegidos é sempre um risco porque pode aparecer algo para o qual não estamos preparados. Com o Sars-CoV-2, por exemplo, não estávamos preparados porque não demos atenção aos coronavírus que apareceram antes, como Sars e Mers, e não porque era algo novo, com o qual nunca tivemos contato. Essa inclusive é uma das lições da pandemia.