Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 22 de maio de 2022
Presidente da Comissão Independente da Organização das Nações Unidas (ONU) criada para investigações sobre a Síria e ex-secretário de Direitos Humanos do governo FH, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro afirma que a democracia brasileira vive uma crise sem precedentes sob o governo Bolsonaro. Para ele, a retórica do presidente de colocar em dúvida o sistema eleitoral mina a credibilidade do país na comunidade internacional e o soft power que o país já teve. Acompanhe a entrevista.
1. Como está a qualidade da democracia brasileira sob o governo Bolsonaro? Não há um componente do elenco de direitos humanos definidos pelos pactos internacionais em que este governo não tenha promovido um retrocesso. Colaborei de perto com todos os presidentes, de Sarney a Dilma. Nenhum governo tratou a sociedade civil como inimiga como este governo faz. Na questão indígena, a Comissão Arns denunciou o governo por tentativa de um genocídio ao Tribunal Penal Internacional, e a queixa foi aceita para exame. Na questão da pandemia, o Tribunal dos Povos, um tribunal de opinião, vai fazer uma sessão em São Paulo nos dias 24 e 25 de maio para avaliar essa conjuntura. As transições democráticas, nos anos 1980, buscaram restaurar um sistema constitucional, com eleições livres. Sob qualquer indicador, a qualidade da democracia no Brasil decaiu extraordinariamente com Bolsonaro.
2. Apesar desse panorama que o senhor traça, as instituições brasileiras funcionam? A democracia do Brasil está na UTI, e as instituições não funcionam. O campeão de ineficiência é o procurador-geral da República. Na CPI da Covid, a PGR não fez nada. É uma lástima também a democracia não poder contar com o presidente da Câmara, que tem sido um pau mandado do presidente.
3. Mas o senhor tem elogiado o Supremo Tribunal Federal. “O STF se tornou o bastião de resistência à escalada autoritária do presidente da República e devemos saudar isso. Todas as instituições falham, e o Supremo Tribunal Federal falhou ao reconhecer a validade da Lei de Anistia (em 2010). Felizmente, o Supremo se refez e, nos estados, o Ministério Público segue atuante. O Congresso é que, infelizmente, não exerce papel de contrapeso.”
4. Membros das Forças Armadas têm respaldado as posições do presidente de colocar em descrédito o sistema eleitoral. Quais os riscos dessa atitude? O TSE teve a péssima ideia de convidar as Forças Armadas para integrar a Comissão de Transparência Eleitoral. Puseram um cavalo de Troia lá dentro e, agora, o ministro (Edson) Fachin (presidente do TSE) teve que dar uma resposta devida porque o general que está na comissão (Heber Garcia Portella) atiça dúvidas irmanadas com a posição do presidente e que não têm respaldo técnico.
5. Na sua avaliação, as Forças Armadas apoiam essas posições políticas do presidente? O ministro (Luís Roberto) Barroso deu recentemente uma declaração em Harvard dizendo que os militares estão enquadrados pelo presidente, e o ministro de Defesa (general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira) fez uma nota de protesto inapropriada. Houve aquela ridícula parada de tanques cheios de fumaça no Planalto no ano passado, e a absolvição do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que pelo regulamento militar deveria ter sido punido (por participar de manifestação política). As Forças Armadas têm se mostrado enquadradas pelo presidente.
6. O governo dos Estados Unidos tem se manifestado, por meio de diversos diplomatas, defendendo o sistema eleitoral brasileiro. Como o senhor vê isso? Esse comportamento da diplomacia dos Estados Unidos é ruim, é inadequado, porque não se trata uma potência emergente dessa maneira. A rigor, não deveriam se manifestar sobre assuntos internos de um país da importância que o Brasil já teve. Apesar disso, fico contente que a mensagem venha. O embaixador William Burns (diretor da CIA, que teria pedido a membros do governo brasileiro que Bolsonaro deveria parar de lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral) é um diplomata extremamente qualificado e foi um dos primeiros reis magos que vieram ao Brasil anunciar que não se deve dar golpe.
7. E como essa posição de Bolsonaro afeta a imagem internacional do Brasil? Sob Bolsonaro, o Brasil perdeu parte de seu soft power. O Brasil havia se tornado nos últimos 25 anos uma respeitada potência emergente porque era um interlocutor válido, que cumpre os acordos que assina. Apesar de termos um recorde de graves violações de direitos humanos, todos queriam ficar na foto com o Brasil. Resta pouco disso, mas se virarmos uma república das bananas, isso vai pelo ralo.