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Cientistas brasileiros usam realidade virtual para diagnosticar a doença de Alzheimer de maneira precoce

O objetivo do novo teste é substituir os atuais, pouco fiéis às situações que os pacientes encontram na vida real. (Foto: Reprodução)

Um novo exame pretende diagnosticar a doença de Alzheimer de maneira precoce, fazendo com que os pacientes memorizem e repitam percursos de até um quilômetro pelo Hospital das Clínicas, em São Paulo. Para fazer o teste, contudo, não é preciso dar nenhum passo nem sair do consultório médico.

O método, chamado Soivet (Teste de Orientação Espacial em Ambiente Virtual Imersivo, na sigla em inglês), é resultado de uma pesquisa de doutorado em neurologia na FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), e usa a realidade virtual para simular os ambientes percorridos.

O objetivo é avaliar a capacidade do paciente para se localizar e encontrar caminhos. A desorientação espacial é indicativo do comprometimento cognitivo leve, um dos primeiros sintomas da doença de Alzheimer.

Quanto mais precocemente o diagnóstico for feito o, maiores serão as chances de tratar os sintomas corretamente e retardar a evolução da enfermidade.

Para fazer o exame, o paciente se senta em uma cadeira giratória, veste os óculos de realidade virtual e “caminha” pelo hospital com a ajuda de um controle semelhante ao de um videogame. Para olhar ao redor, basta mover a cabeça.

Uma instrutora virtual acompanha o paciente em sua primeira caminhada, indicando determinados “checkpoints” no cenário. Na segunda vez, a pessoa deve repetir o percurso sozinha, alcançando os mesmos lugares. Em outra etapa, o paciente deve encontrar o caminho para sair de um labirinto virtual.

O programa foi desenvolvido por uma start-up de ex-alunos da USP, que se basearam em fotos e na planta baixa do Hospital das Clínicas.

Etapas

Até o momento, o Soivet só foi aplicado a pessoas saudáveis de 18 a 55 anos, que tiveram seu desempenho avaliado. Na próxima etapa, o programa será testado com idosos saudáveis. Em um terceiro momento, acontecerá a aplicação a idosos com alzheimer, para comparar as performances e testar a efetividade do método.

“Nossa hipótese é que pacientes com comprometimento cognitivo leve vão errar antes os caminhos, se atrapalhar mais”, disse a médica Raquel Quimas, responsável pela pesquisa.

Outro motivo para que o programa seja testado primeiramente com pacientes mais jovens são os possíveis efeitos adversos do ambiente virtual. O atraso entre o movimento da cabeça e a imagem projetada, mesmo que imperceptível, pode gerar náuseas e tonturas para algumas pessoas.

Nova tecnologia

A intenção de aplicar a realidade virtual à medicina não é recente. As primeiras tecnologias surgiram na década de 1950 e foram usadas pela Força Aérea dos EUA para simular voos. No entanto, os aparelhos eram pesados e caros.

Nos anos 1990, houve uma segunda onda de inventos com realidade virtual, nos quais foram realizados experimentos médicos. Mas o custo ainda alto e a baixa qualidade da imagem impediram maiores avanços.

Agora, é possível desenvolver programas suficientemente realistas, que rodam em aparelhos acessíveis, o que tem levado a um novo “boom” nas pesquisas na área.

“Estamos vivenciando uma terceira onda de realidade virtual, com inúmeras novas ideias. Finalmente a tecnologia acompanha o que nós queremos”, afirma Raquel. “É um campo enorme e muito empolgante.”

Além da neurologia, outras especialidades médicas também têm se beneficiado dessa tendência tecnológica para desenvolver exames e tratamentos só possíveis dentro do universo virtual.

Na psiquiatria, a realidade virtual permite o tratamento de fobias por meio da exposição gradual. Um paciente com medo de voar, por exemplo, pode entrar em um avião e enfrentar sua fobia dentro do consultório, algo impensável há poucos anos.

A tecnologia também tem sido aplicada à fisioterapia, para tornar os tratamentos mais dinâmicos e menos monótonos. Segundo o fisioterapeuta José Eduardo Pompeu, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da FMUSP, esse método tem aumentado o engajamento dos pacientes na terapia e, consequentemente, melhorado os resultados.

Próximos passos

O Soivet terá sua efetividade como diagnóstico testada neste ano. Caso seja efetivo, a intenção dos pesquisadores é que o programa chegue ao mercado por meio de um aplicativo que poderá ser baixado por neurologistas pelo celular. “Um médico poderia ter o aplicativo e os aparelhos e aplicar o teste rapidamente em seu consultório”, afirma Raquel.

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