Segunda-feira, 06 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 22 de junho de 2020
Em 2017, o empresário Arthur Domberg, de 40 anos, morador de Niterói, no Rio de Janeiro, foi diagnosticado com diabetes tipo 2.
Inicialmente, fez o tratamento com insulina e, em poucas semanas, com a glicose sob controle, pôde substituí-la pelo medicamento oral.
A situação permaneceu assim até o mês passado, quando contraiu o novo coronavírus.
“Fui internado no dia 15 de maio com febre, falta de ar e dor de cabeça. No hospital, mesmo mantendo a dieta e tomando o remédio do diabetes, a taxa de glicose não baixou. Tive de voltar para a insulina”, conta.
Em casa há pouco mais de um mês, curado da Covid-19, doença causada pelo coronavírus, Domberg continua com as aplicações, três vezes ao dia (de manhã, em jejum, e antes do almoço e do jantar).
“Sabia que estava no grupo de risco do coronavírus, por ser diabético, mas até então achava que o máximo que poderia acontecer era ter a forma mais grave da Covid-19, e não que ela mexeria com as taxas de glicose desse jeito. Foi uma surpresa”, relata o empresário.
Desde o início da pandemia, a relação entre o diabetes e o SARS-CoV-2 vem sendo discutida. Já se sabe, contudo, que quem tem taxas elevadas de glicemia no sangue – assim como os portadores de outras patologias crônicas – fica mais suscetível a ter complicações quando infectado com um vírus.
“A hiperglicemia parece comprometer a resposta imune do organismo, dificultando o combate às infecções”, explica Rodrigo Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Além disso, como os diabéticos têm o organismo naturalmente inflamado pela doença, quando contraem algum tipo de vírus, que por si só também provoca um processo inflamatório, a condição pode ser agravada e, pior, desencadear o quadro mais complexo da infecção viral.
“É importante deixar claro que essa consequência é mais comum em quem está com a glicose mal controlada, é obeso e tem outras comorbidades associadas. Por isso é primordial fazer o tratamento corretamente”, acrescenta Moreira.
Se com tudo isso a ligação entre coronavírus e diabetes já era preocupante, recentemente ficou um pouco mais complicada.
Uma equipe de 17 cientistas, membros do programa internacional CoviDiab Registry, divulgou uma carta na revista científica New England Journal of Medicine com um alerta de que a Covid-19 pode desencadear o diabetes em pessoas saudáveis e agravá-lo em quem já é portador.
“Existe uma relação bidirecional entre Covid-19 e diabetes. Por um lado, o diabetes está associado a um risco aumentado de Covid-19 grave. Por outro, diabetes recente e complicações metabólicas do pré-existente, incluindo cetoacidose diabética e hiperglicemia hiperosmolar, para as quais são necessárias doses excepcionalmente altas de insulina, foram observadas em pacientes com Covid-19. Essas manifestações apresentam desafios no manejo clínico e sugerem uma fisiopatologia complexa do diabetes relacionado à Covid-19”, diz o documento.
Em entrevista à BBC News Brasil, Francesco Rubino, professor de cirurgia metabólica da Universidade King’s College London, do Reino Unido, e pesquisador no projeto CoviDiab Registry, diz que a alta prevalência do diabetes entre os mortos por Covid-19 e a maior susceptibilidade de os diabéticos experimentarem efeitos particularmente graves e atípicos da doença de base sugerem que deve existir uma interação diferente das conhecidas em termos de resposta ao estresse que acontece com qualquer infecção.
Rubino acrescenta que os mecanismos biológicos pelos quais o novo coronavírus entra nas células humanas também indicam que ele pode causar danos diretos aos principais órgãos metabolizadores de açúcar.
“Sabemos que, ao se ligar a uma proteína específica, chamada receptor ACE-2, o SARS-CoV-2 detém as chaves para inserir células em órgãos críticos para o metabolismo da glicose, incluindo o pâncreas, o intestino, o tecido adiposo e o fígado. Suspeitamos que, ao causar disfunções em um ou mais desses órgãos, o vírus possa piorar o diabetes existente ou até ser capaz de causar um novo aparecimento da doença”, explica o especialista.
Foi justamente por conta da natureza preliminar dessas observações que Rubino e mais 16 pesquisadores lançaram o CoviDiab Registry. O objetivo é reunir mais evidências para confirmar ou dissipar as preocupações.
“Não sabemos exatamente como a Covid-19 influencia o diabetes e, dado o curto período de contato humano com o novo coronavírus, ainda não está claro qual tipo ele pode exacerbar ou desencadear, e também não podemos excluir que possa até induzir uma nova forma de diabetes, e nem se a condição será reversível quando a infecção se resolver”, pondera o especialista.